terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Maturidade Paterna

A paternidade muda muita coisa na sua vida:
Muda sua opinião sobre fotos de bebês;
Muda seu tempo cotidiano, fazendo brotar algumas horas pra ficar olhando praquele joelhinho lindo;
Muda a sua incompetência nata, e agora você troca fralda, esteriliza coisas no fogão...

Mas certas coisas a paternidade não muda, como aquele sorriso preso no canto da boca cada vez que alguém fala "tá na hora da", "antes da", "depois da" ou qualquer outro termo seguido da palavra MAMADA.
Parem, por favor! Não tenho maturidade pra isso!

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Fios de Ovos

Uma mulher está no mercado com um homem (provavelmente seu companheiro), e vê um pote de fios de ovos. A gula, elevada à terceira potência por estar grávida, a faz parar em frente à geladeira expositora e dizer, olhando fixamente para o doce:
- Nooooooooossa!!! Eu A-MO fios de ovos!!!
Voltando ao normal, olha para o rapaz.
- Você não gosta, né?
Ele olhou pra ela, começou a andar e soltou:
- Pentelho de buceta, de buenas; mas fios de ovos não é comigo, não...
E saiu andando, rindo.

#TeamPavêOuPacumê?

domingo, 26 de novembro de 2017

Mistérios cotidianos

Merda, merda, merda. Onde está o pacote de morangos que deixei no congelador? Não entendo como posso perder algo em um espaço tão pequeno, mas ok. Tem muita coisa. Moela de frango, sorvete, açaí, salsinha congelada... alho poró? Tenho que usar isso logo... Se bem que congelado é eterno.
Para facilitar meu trabalho, tiro alguns itens e os coloco sobre a pia. Tenho nervoso de deixar congelador aberto, sempre me disseram que puxa muita luz, e atualmente tenho mais medo de conta alta do que de bala perdida (e olha que moro no Rio de Janeiro).
Achei o potinho. Tem seis morangos, dá pra fazer uma vitamina.
Só preciso de uma explicação: como é que antes de eu tirar o pote de morango, tudo cabia no congelador, e agora tenho esse pacote de moela de frango que não tem, de jeito nenhum, como entrar novamente?
Mistérios do cotidiano. Além da vitamina de morango, terei que fazer moela de frango.
Bom dia.

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Memórias

Tô no 624. Um casal de coroas senta atrás de mim. Tô lendo O Beijo da Mulher-Aranha, mas a mulher fala alto, tá me atrapalhando. A conversa deles fica mais forte que o livro, e o fecho por um tempo. Papos de velho rolando, aquelas coisas sem grandeza, comentários simples, combinando até com o trânsito lento da Intendente Magalhães... Eis que a coroa, toda sapeca:
- Já estivemos aqui. Lembra?
O velho coça a cabeça, olha pra direita (eu não vi, já que estavam atrás de mim, mas imagino que foi assim). Franze a sobrancelha numa quase negativa.
- Olha pro outro lado... - diz a velha, calmamente.
O cara olha. Tem uns carros e três motéis, em seqüência. Eu já saquei, mas o velho não.
- Você estudou numa escola aqui?
Quase me viro e faço uns gestos tipo o Jim Carrey no O Mentiroso, mas seguro e confio. A coroa dá mais dica, e fala numa voz insinuante:
- Nós almoçamos em um restaurante aqui perto, um dia... Lembra?
- Restaurante??
Cara, alguém taca óleo na memória desse cara... Tá foda.
O coroa tava pensando ainda em restaurante quando, penso (e visualizo mentalmente), a coroa arqueia as sobrancelhas, fecha bem a boca e arregala os olhos, quase apontando com a cabeça para os motéis que passaram à sua esquerda. Aí o coroa captou.
- Aaaaaaahhhhhhhn... HEHEHE
E deve ter coçado o bigode, confiante; o mesmo bigode que, sabe-se lá há quanto tempo, guardou resquícios de odores selvagens. E sorri.
Ela agarra o braço dele e bota a cabeça em seu ombro, enquanto ele continua com seu sorrisão, com o olhar perdido naquele tempo que passou.

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Subjetividade

Está faltando subjetividade no mundo.
As pessoas não estão sabendo interpretar além das palavras, das imagens, estão guiando-se apenas pelo literal.
O retrocesso vem pela perda poética. Quando deixamos de interpretar palavras e imagens e nos prendemos a elas, não a o que elas remetem, perdemos a humanidade.
Se há racismo denunciado em uma obra, as pessoas acham que é uma obra racista. Se há pedofilia retratada, que é uma obra pedófila. E o contexto? A ironia aqui não pode mais estar presente, porque, ironicamente, perdeu-se.
Mas há salvação.
Por mais clichê que seja, a salvação está nas crianças.
Peguei uma faca de pão, estava na hora do lanche. Chamei Giovanna para comer.
- Eu não tô com fome agora, titio.
Apontei a faca para ela, com uma cara ameaçadora.
- Olha aqui, vai comer sim, senão eu te corto toda!
Ela riu.
- Não tá vendo que eu tô com a faca na mão? E você sabe que eu tenho um machado aqui, hein...
Ela riu mais ainda.
- Você não faria nada comigo. Você me ama.

Puta que pariu. Quando uma criança de 7 anos é mais inteligente do que todo um grupo de seres humanos imbecis que não conseguem ir além do óbvio, é porque estamos mal... mas há salvação.

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Reminiscências

- Olha, o tio Tonico! Tio Tonico!
O senhor, que caminhava no corredor, olhou para o lado e viu a fonte da tentativa de grito: uma pequena mulher, com um casaquinho de tricô, próprio apenas para os que alcançaram certa idade na vida.
- Tio Tonico, quanto tempo!
Iza estendeu a mão e beijou no rosto o velho, seus olhos brilharam.
- Como vai o pessoal, hein? Manda um beijo pra todo mundo. Eu tô tentando falar com a Carminha, o Tião, mas aqui eu tô tendo muito trabalho, é dia e noite limpando essa casa toda! Nem minha mãe eu tenho conseguido visitar. Às vezes eu subo o morro, mas da última vez tava muito escuro, não consegui encontrar ela, não...
Tonico apenas sorria, já que não havia como entrar na conversa. Iza ditava o ritmo e cortava as pausas e qualquer possibilidade de resposta.
- Olha, eu tô querendo sair daqui, porque... aqui o pessoal é legal, é tudo bom, mas... Eu tenho que dormir aqui, não tô gostando disso. E meu pai, meu pai não gosta disso não. Haha é... ele quer a filha dele dormindo em casa, onde já se viu, eu tenho que sair às vezes de noite, andar no morro tudo escuro, acabo nem achando a casa. Mas quando me pagarem esse salário, eu vou sair. Quero ficar na minha casinha, comer minha comidinha. Tem que ver o pessoal né, eles sentem falta de mim também.
Olhando para o relógio e abrindo um sorriso desenganado pelas sobrancelhas, Tonico pegou as mãos de Iza, deu um beijo em suas bochechas flácidas e conseguiu falar pela primeira vez na conversa.
- É isso mesmo! Arranja um outro trabalho e... sucesso! Pode deixar que eu vou falar com todo mundo que você mandou lembranças. Tchau, tchau!
Iza tinha o olhar lacrimejante aliado ao sorriso sincero, apesar dos falsos dentes. Acompanhou a ida de tio Tonico ao longo do corredor, até ele sair pela porta de madeira que a separava do resto do mundo.
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Iza gargalhava enquanto uma moça acariciava sua mão, o que, aliado ao sol que fazia, discontraía o ambiente naquela tarde.
- Mãe não! Eu sou sua irmã, menina!
A risada era gostosa de ouvir, e espalhafatosa, soava longe; só era interrompida com as falas desenfreadas dela.
- Sua mãe tem que ser mais velha, eu não tenho idade pra ser sua mãe, não, mas te peguei no colo. Isso eu peguei. Todo mundo gostava de mim, e aqui também gosta. Eu ficaria aqui, mas eu quero ver minha mãe, aqui eles não deixam.
- Para de bobeira, eu sou sua filha! Esqueceu de mim, Flavia, mãe?
Iza não ouvia. Falava sem parar, e a tentativa de interrupção da filha foi apenas uma pequena interferência, facilmente contornada pela senhora, que agora mudava drasticamente o semblante.
- Eu tô com saudade da minha mãe... Ela quer me ver também, né, poxa. Tá certa. Ninguém tem filho pra deixar largado no mundo, não. Ela gosta muito de mim...
E assim continuaram, em um diálogo nonsense, por boa parte da tarde. Até o final da visita.
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- Bom dia, dona Iza!
A velhinha virou-se para ver quem a chamava, e olhou para o rosto do senhor, de barba e cabelo brancos, sorrindo para ela. Não sorriu, mas abriu os olhos, surpresa. Olhou-o, mas o máximo que conseguiu foi erguer as sobrancelhas e buscar um pouco de ar.
- A senhora não está lembrada de mim?
Iza apertava um pouco os olhos, botou uma das mãos no rosto do senhor.
- Ai, eu tô meio esquecida... Mas eu lembro de você sim, só o nome é que tá sumindo da cabeça.
O homem abriu um sorriso.
- Você tinha me chamado de tio...
- Tio Juca! Hahaha tá vendo, eu me alembro, mas eu tô meio ruim. Hahaha tio Juca! Tio Juca! Como é que tá o pessoal?
O homem solta uma gargalhada.
- Agora eu sou Juca? Eu era o tio Tonico outro dia...
O semblante de Iza fechou-se e um olhar de lado cortou a fala. Logo após, a velha gargalhou.
- Que tio Tonico, o quê! É tio Juca!
E abraçou o senhor, que riu mais ainda.
- Tio Juca, manda um abraço pra todo mundo, hein! Eu vou passar um dia lá, quando eu for na minha mãe!
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- Oi, mãe! Tudo bem? Tudo bem?
Flávia chegou cumprimentando a mãe e as enfermeiras do asilo que estavam comandando a atividade no momento: fazer colares e pulseiras com nylon e penduricalhos. Iza estava concentrada tentando enfiar o fio por dentro de um buraco pequeno em uma miçanga de plástico laranja. Era difícil de enxergar, era difícil de controlar a tremedeira das mão; ainda assim, conseguiu, e com a expressão mudando da preocupação para um sorriso iminente, olhou e viu Flávia.
- Oi! Tudo bem por aqui sim, e você?
Flávia abraçou e beijou a mãe.
- Vou roubar ela aqui de vocês um pouquinho, tá?
Iza olhou para a enfermeira mais próxima, suspendendo os braços com o colar inacabado, e deixou em suas mãos; levantou-se com dificuldade, apoiada nas mãos de Flávia, e ao final do movimento, virou-se para as meninas.
- Eu vou cá prosear, mas eu volto.
Sorrisos brotavam sempre com as frases daquela velhinha, não tão sensata, não tão lúcida, mas com uma capacidade de ensinar como levar a vida digna de inveja de qualquer guru. A filha colocou Iza sentada em um banco, para pegar um banho de jacaré.
- Sabe quem eu sou?
A velhinha piscou e abriu um sorriso largo, mostrando todo o amarelo de sua velha dentadura.
- Minha filha, ué.
E abraçou Flávia, rindo. Depois do abraço, continuava rindo.
- Por que? Não quer mais ser minha filha?
A filha sorriu e começou a conversar com a mãe, um daqueles assuntos que não se sabe nem por que eles vêm, nem a diferença que isso faz no mundo, mas quando a diferença mais importante é para uma pessoa só, foda-se o mundo. E de futilidades foram falando, até que Eduardo chegou e abanou as mãos na direção das duas. Aproximou-se e botou a mão no ombro de Flávia.
- Me chamou já de tio Juca e de tio Tonico. Né, dona Iza? Tudo bem com a senhora?
E ao responder que tudo estava bem, Iza já não lembrava do início da fala, quando foi dito que ela o chamava de Juca ou Tonico.
Mas não importavam mais suas reminiscências; tudo estava bem, isso é que importava.

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Corrompendo

Prova de baliza. É o início da avaliação prática para obter a Permissão Para Dirigir do Detran. Não, você não consegue a Carteira Nacional de Habilitação se passar no exame, apenas uma permissão com a validade de um ano, durante o qual será avaliado, e só então, se não cometer infrações, receberá a CNH. Mas acho que isso não é interessante de discutir aqui, já que trata-se de ficção (mesmo que com muito de verdade nela), e não de informação; no entanto, um pouco de informação, quando não há sobre o que escrever, ou o texto é ruim, ou curto demais, sempre é recurso de algum charlatão que queira passar-se por escritor. Bom, sigamos o texto.
O nervosismo é visível no rosto de Carlos, que acaba de entrar no carro e tenta ajustar-se com o banco e o cinto de segurança. Sua gordura o atrapalha, bate o joelho no volante, seus peitos, após a compressão do cinto, parecem pender capengas da tira que cruza seu torso, como uma She-Ra nada sexy. Em certo momento ele ajeita a tetinha, e olha para o examinador, que só nesse momento desvia o olhar de sua prancheta diretamente para o peito cadente de Carlos, abrindo um sorriso amarelo de quem sabe que não poderá desver a cena.
- Vai lá, pode estacionar.
Carlos olha para o retrovisor. O suor escorre e pinga de sua sobrancelha direto para a camisa. Ele passa a mão com o indicador estendido na testa, como se fosse um limpador de vidros de automóvel; uma enchurrada cai no carro quando ele sacode a mão, e um pingo cai no bigode do examinador, sem que Carlos perceba - nem mesmo viu o olhar frio que o dono do bigode virou para ele. Carlos agora estava pronto, colocou a cabeça para fora, colocou a mão na marcha, engatou a primeira e foi para a frente. Alinhou o carro com a baliza, engatou a ré e começou a entrar na vaga. Umas novas gotas começaram a descer em sua testa, mas ele estava concentrado demais no retrovisor, vendo as balizas de trás; ao chegar no limite, olhou com os dois olhos para cima, mas ainda assim não conseguia ver as gotas de suor, e tirou a mão do volante para limpar a testa novamente. Nesse pequeno momento de distração, não percebeu, mas o seu pé do acelerador não parou de pisar, suavemente, e quando estava escorrendo a chuva que brotava em sua cabeça, ouviu o grito:
- Pare!
Sua mente trabalhou rápido, e automaticamente ele afundou o pé no freio, dando um solavanco no carro e fazendo gotas de seu suor gorduroso espalharem-se pela parte de dentro do parabrisa. O examinador tirou o cinto de segurança.
- Você queimou a faixa, está reprovado.
Carlos não estava entendendo.
- Como assim, queimei a faixa?
- Meu amigo, seu pneu passou da faixa que simula o meio-fio. Você está reprovado. Fica prestando atenção nessa suadeira aí, não está atento ao trânsito...
- Mas só por isso eu reprovei? Cara, eu preciso da carteira... Não pode ser só um err...
O examinador coloca a prancheta a poucos centímetros do rosto de Carlos.
- Olha aqui! Queimar a faixa, perde 4 pontos! Só pode perder 3. Reprovado!
- Poxa, mas você não pode...
Uma palma de mão, com os dedos totalmente abertos, surge perto da boca de Carlos, fazendo-o calar-se. O examinador começa a falar.
- Lógico que isso é um erro grave, mas pode ser que eu não tenha visto... Tudo depende de o senhor não querer pagar o DUDA e aulas de autoescola tudo de novo...
Carlos olha para ele e franze as sobrancelhas. O examinador tenta novamente:
- Isso aconteceu, eu estou vendo, olha aqui pelo retrovisor, consegue ver o seu pneu em cima da faixa? Mas... podemos chegar a um acordo e eu posso esquecer isso.
- Ah, então por favor, esqueça. Não vou repetir esse erro...
- Se você não quiser ter gastos com DUDA, com aulas de autoescola - repetiu o examinador.
Carlos franziu novamente as sobrancelhas.
- O senhor quer dizer, que eu teria que pagar algo a você?
- Se eu te reprovar você terá alguns gastos...
- Entendi... Então se eu te der R$ 100, você pode esquecer isso?
O examinador riu e colocou a mão na maçaneta da porta.
- Por R$ 100 eu abro essa porta agora e o senhor está reprovado.
Carlos esticou o braço e segurou o examinador no banco do carona.
- Calma... de quanto estamos falando, exatamente?
- Bom, só de DUDA você teria que pagar R$ 270...
- Fala logo, quanto você quer?
- Quatrocentos reais.
- Entendi... bom, então continuaremos fazendo a prova.
- Tá, mas só dou a canetada de aprovado após receber o dinheiro, senão, para todos os efeitos, você queimou a faixa.
- Não vou te dar dinheiro nenhum.
- Haha. Então sai do carro que a prova acabou.
Carlos pega sua carteira e retira de dentro dela um documento plastificado.
- Carlos Freitas, escrivão da Polícia Civil. Continuamos a prova ou você quer ir preso por suborno?
- Calma, calma, seu Carlos. Eu só tentei ajudar o senhor porque fui com a sua cara... Quê isso...
Carlos guardou o documento e a carteira no bolso.
- Foi com a minha cara o caralho, quer é encher o cu de grana suja, né, filho da puta?
Agora foi a vez do examinador começar a suar.
- O-olha, seu Carlos, eu acho que houve um mal-entendido. O senhor queimou a faixa, e eu tentei não te reprovar... Eu posso deixar por duzentos contos então, e o senhor continua a prova.
Carlos agora gargalhou.
- Hahahahaha! Acho que não estamos nos entendendo mesmo... Ou você me passa na prova, ou eu te levo preso por tentativa de suborno de agente público.
- Mas com isso o senhor estaria me subornando... Não com dinheiro, mas aliviando minha infração...
Carlos parou para pensar. O examinador continuou.
- E além do mais, temos uma câmera aqui no carro, que grava a prova inteira. Tenho provas de que o senhor está me subornando.
- Mas para isso, teria que mostrar que você tentou me subornar primeiro... E se é gravado mesmo, como é que você tenta arrancar dinheiro das pessoas, mesmo com o vídeo?
- Eu dou uma parte pro pessoal que trabalha com os vídeos; aí sabe como é, arquivo digital, alguns falham, né? Hehehe
- Hm, entendi. Mas enfim, a minha vai sair de graça, senão você vai preso por tentativa de suborno de agente de polícia.
- Mas você aqui não está na sua função, então isso se enquadraria como o quê? Qual seria a minha pena?
Os dois se olharam. Carlos abaixou a cabeça.
- Não sei... Comprei meu diploma de direito...
O examinador interrompeu a reflexão de Carlos, que estava com os olhos fechados, cabisbaixo, colocando a mão suavemente em seu braço.
- Seu Carlos, cento e cinqüenta, o senhor passa e a gente dá um sumiço nesse arquivo, pode ser?
Carlos fez que sim com a cabeça, engatou a primeira e continuou a prova. E, claro, foi aprovado.

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Autodepreciação

Agüentou saber que era um escritor medíocre;
Suportou descobrir que era um diretor de merda;
Segurou a barra de descobrir-se sem aptidão para a música.
Mas desabou ao ver que não o deixavam ser o mais autodepreciativo de todos.

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Ida ao Posto de Saúde

Vou eu ao posto de saúde acompanhar a Luciana, vacina pra caralho pra tomar, essas paradas. Vou de pijama, óbvio, porque se eu levanto antes das 9 e não é para ir ao trabalho, vou com a roupa que eu dormi (que nem é um pijama oficialmente dizendo, é só roupa velha).
Chegando ao posto, com aquela cara e a roupa de ontem, caminhamos direto ao lugar das vacinas, ou seja, passamos direto pela recepção. Nisso, uma coroa com roupinha de enfermeira (aquele jaleco branco, ô tarado; nenhuma enfermeira usa microssaia e chapeuzinho com cruz vermelha, só em filme pornô...) vem gritando:
- Ei, ei! Rapaz!
Não olhei, segui meu caminho, afinal de contas, nem sou eu que vou tomar a porra da vacina... Nada é comigo ali...
Ela veio e me segurou calmamente pelo braço.
- Ei, você tem que dizer o que você está sentindo aqui, pra eu te encaminhar pra algum lugar.
Eu olhei pra ela, naquela lentidão de quem deveria estar na cama:
- Eu só vim acompanhar ela, ela vai tomar vacina.
A mulher me olhou de cima a baixo, minhas roupas e minha cara amarrotadas, e mandou, na lata:
- Nossa, mas você está com um aspecto Péssimo (com P maiúsculo mesmo, ela falou com aquele P quase cuspindo)...
Olhei com aquela cara de "caralho... vou responder à altura", mas tava com um sono fodido e nem consegui pensar direito, só me veio "é, a noite foi longa e boa" (mentira, ficamos vendo a final de MAsterchef), aí desisti e só olhei pra cara dela e soltei a máxima filosofia:
- É... a vida é assim...
Segui meu caminho.
Mas caralho, além de ter que ouvir a Luciana reclamando da minha roupa esculachada, agora ela ainda arruma aliadas na rua... Tá foda...

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Interrompemos nossa programação...

Interrompendo vossa programação apenas para informar que estava com meu par de meias sujas em uma das mãos e um saco de lixo DE BANHEIRO na outra mão, e senti que seria mais higiênico jogar as meias fora e calçar o saco de lixo...
Triste isso...

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Trancado no banheiro

Tô trancado no banheiro.
Pedi pra minha avó fritar um bife a milanesa pra mim. Ela falou "Tem que passar no ovo".
Fui fazer gracinha e simulei que ia passar o bife por dentro da minha bermuda. Devolvi o bife pra ela, rindo.
Ela agora tá aqui, berrando que "quer fazer sacanagem, agora vai comer bife passado nessa merda aê!"
"Essa merda aê" que fez teu bisneto!

Ela não quer nem saber.
=(
True Story.

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Como um "bom dia" vira "vai se foder!" em questão de minutos

Acordo. Dou bom dia, tomo o café, me arrumo pra sair. Primeira desilusão: já de calça, sinto vontade de cagar. Só faltava botar o tênis, mas ok, melhor do que se estivesse já calçado.
No banheiro, segunda desilusão: na posição clássica de quem caga de calça, com ela arriada junto à cueca embolada no final das canelas, olho para baixo e vejo algo que me machuca; a etiqueta da minha calça marrom (que todos falam que é verde), tem, além do tamanho - 46 -, escrito VRD - VERDE (assim mesmo, redundante, como se me provocasse). A confirmação do meu daltonismo não me choca, mas a minha calça marrom ser verde e oficializar o que todo mundo diz pra mim, é sacanagem.
Limpo a bunda e parto para o ponto de ônibus. Após a demora usual, vem dois 624; um vazio, na frente, e um lotado atrás. Na frente deles um 783. Tem um filho da puta no ponto, comigo. Se ele fizer sinal pro 783, provavelmente o 624 vazio passará por trás dele e terei que pegar o lotado. Sim, eu já sei o que aconteceu, mas narrarei no tempo futuro, cheio de "se", para manter você nessa tensão escrota de "ui, será que ele foi em pé ou sentado no ônibus?". O 783 faz a curva, seguido na cola pelo 624 vazio, um carro de passeio e o 624 cheio. O filho da puta que tá no ponto comigo se mexe, chega mais próximo do meio fio; se ele fizer sinal ao 783 vou tacar minha mochila na cabeça dele e ele ficará sem entender porra nenhuma. O 783 se aproxima, mas o cara do ponto não faz sinal a ele, foi alarme falso (provavelmente só está de saco cheio da espera); nem vou chamar mais de filho da puta. Faço sinal com dois dedos, com o braço mais pra cima do que pro lado, indicando pro 783 que não é ele (o primeiro da fila que eu quero), mas o segundo, o que vem atrás dele. O 783, subitamente, vem na minha direção, para parar no ponto. Desesperado e sem pensar, porque são sete da manhã e vai tomar no cu que isso não é horário nem prá estar acordando, que dirá pegando ônibus, e eu vejo o 624 vazio pegando o vácuo do 783 pela esquerda - ele vai passar direto!!! -, entro no meio da rua, na frente do 783, e no meio da pista, aceno como um louco para o motorista do ônibus pretendido. Ele fez como aquela garota metida que você era apaixonado na quinta série: olhou em frente, pro nada e te ignorou. Com o coração partido e em meio ao riso dos coleguinhas, digo, buzinadas do 783, volto para a calçada, humilhado, e o 783 parado. Atrás dele, o 624 lotadão. Decido que vou esperar mais, mas não entrarei nesse ônibus.
Eis que o motorista do 783 resolve abrir a porta e "você tá malu...", mas nem deixei completar a frase, porque no que a porta dianteira dele estava abrindo já me armei com "ah vai se foder! Tomar no cu, porra!" Ele me xingou, nem ouvi, joguei o braço direito pro alto várias vezes. Descontei a raiva que estava do motorista do 624 em cima do cara que freou o seu veículo pra não me atropelar. Só estou tendo essa reflexão agora, e tô envergonhado por ter xingado a ele, mas aconteceu.
Cruzei os braços e fiquei com a cara amarrada no ponto. O 624 lotado ainda estava parado atrás do 783; quando o 783 saiu, o 624 (já mencionei que estava lotado, certo?) andou lentamente, e o motorista parou na minha frente, abriu a porta e olhou pra mim, com pena, sem eu ter feito sinal.
Entrei nessa merda; puto, mas entrei.

segunda-feira, 3 de julho de 2017

Academia

Perdi.
Após 31 anos, entrei pela primeira vez em uma academia. Achei que começaria instantaneamente a malhar. Porra nenhuma.
Primeiro porque os aparelhos tudo tem botão, tudo digital, não entendi.
Segundo porque antes de começar, eu tenho que falar com um instrutor que, de acordo com os seus objetivos ("não engordar feito um porco, mesmo comendo bacon e queijo feito um ianque"), vai te passar a sua série.
"Caralho, tomar no cu! Eu tô pagando essa porra eu vou fazer o que eu quiser e foda-se!", pensei. Olhei pra um que simula remo, um que simula esqui meio que pedalando e um que simula escada. Pensei: vou fazer uma hora de um num dia, uma hora de um no outro... E fui atendido.
O maluco me passa 20 minutos (dez minutos em dois aparelhos desses) no início, e 20 (no mesmo esquema dez de cada) no final. E no meio, séries de levantamento de peso (mesmo eu não colocando "ficar forte" no objetivo, o cara quer que eu puxe peso). Como não sou burro de carga e não nasci pra me mandarem fazer porra nenhuma, taquei o foda-se pro que o cara falou.
Vou fazer meia hora desse esqui flutuante aqui - chamam de transfer, mas transfer é meu piru.
Botei os fones no ouvindo, botei um set death/ grind e apertei play.
Subi no aparelho, tentei ligar. Nada. A mulher do meu lado tentou falar comigo, mas tava rolando uma brutalidade no meu ouvido (porque som de academia, puta que pariu...). Tirei o fone. A mulher me ajudou a ligar o aparelho. Voltei com os fones de ouvido. Minhas pernas começaram a se mover instantaneamente, e a mulher novamente falou comigo. Tirei os fones de novo.
- Tem que pedalar prá frente! - ela gritou.
Eu percebi que eu tava andando prá trás. Agradeci de novo e corrigi o passo. Programei dez minutos, mas já pensando em fazer trinta. O nível tava 1, olhei pros lados: um cara no 8 e a mulher no 4. Fui no 5.
Meu amigo! Não terminou uma música do Brujeria de menos de um minuto e eu já tava "chega logo, dez minutos, caralho!". Mal conseguia respirar.
Caralho. Diminui o nível pra 4. Rolaram umas 78 músicas, mas não dava 10 minutos.
Depois do fim do mundo, deu dez minutos, no meio do Sessão Descarrego, do Hutt. Minhas pernas tremiam. Eu encarava meu "vou fazer uma hora". Haha, coitado.
Perdi 80 calorias, dizia o instrumento high tech. Perdi vida, dizia meu cérebro.
Não sei o que será de mim daqui pra frente. Estou pagando essa merda, logo, preciso ir. Mas meu coração (e minhas pernas) diz(em) que é errado.
Enfim. Amanhã é outro dia, frio, difícil de criar vontade de fazer atividade.
Felizmente tenho uma edição para usar como desculpa.
E assim seguirei, buscando desculpas.
Puta que pariu.

Ahhh mas tem uma cadeira de massagem no final foda. A única coisa que presta...
Foi um erro.

terça-feira, 27 de junho de 2017

Lei da Física

Hoje finalmente entendi, na prática, uma teoria da física.
Estava eu em casa, com uma puta duma vontade de fazer comida boa: usar cebola, três tipos de queijo, salame, ovo, fazer um molho... Enfim, estava com vontade 1000 de fazer comida boa.
Ao mesmo tempo, estava com nenhuma vontade de lavar panela. Duas panelas já na pia há uma semana, uma semana que não tenho vontade de lavar panela, só lavando talheres, pratos, copos... Enfim, vontade -1000 de lavar panela.
E duas forças, de igual intensidade mas opostas, se anulam!
E foi assim que comi bife de fígado gelado e resto de sopa. Acho que isso se chama inércia, mas nunca fui bom em física...

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Memória de 27/6/2016 , alguns dias antes de casar, enquanto estava morando sozinho. 

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Poesia Concreta 02

C  imento
A  rgamassa
O  bra
S   uicídio

Formação do Caos (ou Poesia Concreta 01)

Cimento
1/2 m de areia
Alguns sacos de areola
Galão de tinta
Gesso
Argamassa
Balde para massa
Enxada
Carrinho de mão
Mais cimento
Mais areia
"Tem uma lona pra cobrir tudo no quarto?"
Poeira
Barulho
Mais poeira
"Faltou mais um pouco de areia"
Conduíte
Fiação elétrica
"Tem balde prá pegar um pouco de água da caixa?"
Bocal
"Acho que só mais três saquinhos de areia dá"
Poeira pacaralho

Alguns chamam de caos;
Outros chamam de obra.

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Gotas

Não importa se a rotina é lasciva ou tediosa. Ela sempre acaba instaurando-se na vida do casal. Esse modelo "casa / trabalho / casa" em que se vive é um grande parceiro dela. Começa agora uma história corriqueira, dessas que acontecem em diversas casas no Brasil e no mundo; mas contada através de pequenas gotas.


Gotas de Saliva

O último que chega em casa dá um beijo, conversam sobre o dia no trabalho ( problemas e situações estressantes que não levam nenhum assunto a um final feliz). Entre afazeres domésticos, gasta-se saliva falando do que não foi legal; vez ou outra surge a lembrança de algo inusitado, engraçado, e há um vigor maior para contar esses acontecimentos. No mais, o tom é sempre morno ou exaltado para o negativo.
De alguma forma, nesse ambiente sombrio, uma mudança súbita no ar, ou um cheirinho de tempero que pegou o vento certo, ou um som que surge do nada, uma música, qualquer elemento que traz à tona a paixão entre os dois, sem explicação, faz mãos deslizarem e os corpos encaixam-se, com certo pudor, entre si. Pescoços se roçam, a barriga dele encosta na sinuosidade das costas dela, e a saliva, antes gasta com a fala, passa a ter outro valor no silêncio, e é trocada entre línguas famintas.

Gotas de Lubrificação


As mãos mexiam-se em um movimento menos frenético do que as línguas, mas não com menos sensibilidade e uma coordenação digna de um balé russo: uma delas penetra por baixo da blusa, na barriga, e sobe até o mamilo dela; no movimento oposto, a mão dela desce, por cima da camisa dele, e entra na calça, segurando a base do pau dele com a mão para baixo; a outra mão dele já vai tentando chegar à calcinha, para desviá-la do caminho, e todos esses movimentos que o corpo naturalmente segue, sem muito raciocínio, evidenciando o instinto animal do ser humano.
A saliva continua sendo gasta, mas espalhando-se ao longo dos corpos. Nucas, mamilos, pernas, pau, buceta, cu. Ela mistura-se com os fluidos lubrificantes naturais; a boca dele agora recebe um pouco da baba salgada da sagrada caverna; ela puxa um fio de gosma de uns 15 centímetros, que estende-se de sua língua ao pau dele. Impossível discernir, nesses fluidos, o que é lubrificação dos órgãos genitais e o que é saliva. Mas é possível ver muita vontade.

Gotas de Suor

A temperatura média do corpo humano varia entre 35,5 e 37º C, mas com os atritos pacíficos entre os corpos parece estar mais de 40 graus. Os dois começam a suar. O gosto salgado do suor mistura-se às respectivas babas genitais, tanto na sua origem quanto nas bocas a que destinaram-se. O sexo afirma-se sempre como prato principal (porque se fosse sobremesa, seria doce).
Embolam-se completamente formando um corpo disforme. Quebram a lei da física, de que dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço: ela preenche seu amor oco com a vara que oprime tantas vidas há séculos, mas que nesse momento dá vazão aos desejos mais animalescos que há dentro dos dois.
Embora agora estejam mais juntos do que em qualquer momento anterior, com um dentro do outro, não há mais atrito; a lubrificação mútua faz os movimentos deslizarem suaves, mesmo que os dois estejam forçando contato. Está tudo tão molhado que ameniza o impacto, e ele acaba sempre deslizando para o interior.

Gotas de Porra

A constância dos movimentos, o ritmo, o rebolado dela. Aquele invólucro de gosma na pele, que facilita os movimentos e vai aumentando o prazer. Os dedos dele pressionam e escorregam e voltam a pressionar a campânula acima da entrada, enquanto uma parte dele entra e finge sair e entra novamente. Ela ainda agüenta um pouco mais. Ele está explodindo.
Ela mexe de um jeito que enlouquece os dois, evocando talvez dons ancestrais escondidos pelo superego; ela gosta cada vez mais dos esbarrões em toda a sua buceta; ele precisa segurar-se um pouco mais para ela poder transcender. Os movimentos dela estão em progressão geométrica de alternância e pareceu atingir um nível máximo de poder. Ele tentou, mas não dá mais para segurar. Ele sente sua mente indo ao ponto mais extremo do universo, quando tudo fica confuso e escuro, e o caminho até lá começa pela base do seu saco, e vem crescendo junto com a viagem astral, explodindo em um mar de porra dentro do buraco feminino, que coincide com a sua volta ao mundo real.
O movimento dela não para mas ele diminui levemente com as mãos a freqüência dela, e vai diminuindo assim o ritmo de entra e finge que sai e entra de novo. Ela sente a enxurrada que está dentro de si, e agora o movimento mais lento, mas ainda contínuo, vai transformando a porra líquida em pedaços mais gosmentos e mais sólidos. Ele tira um pouco da pressão que seu dedo fazia ao redor do grelo, inconscientemente. Seu corpo está relaxando aos poucos. Ela sente o fim do momento e dá uma sentada derradeira no colo dele, colocando todo o pau para dentro, o máximo que pode, e deixando escorrer os blocos de sêmen solidificados, aos poucos. Voltam a trocar beijos.

Gotas de Água

Para que a porra não respingasse a parte líquida que eventualmente escorresse,  os dois correm, satisfeitos (talvez mais ele do que ela, afinal, alcançou o nirvana animalesco), para o banheiro. Ela entra no box, e começa a lavar-se. Placas de porra escorrem em suas pernas, tornando-se estranhamente uma espécie de gelatina quando entram em contato com a água. Ele para em pé, na pia, bota para fora a cabeça do pau, toda melada, e começa a lavar; gelatina também. Ela enquanto se lava percebe que também está tirando muito da sua baba natural.
Ele entra no chuveiro com ela. Tomam banho juntos e aquelas gotas de água morna os traz de volta à normalidade: nem falar de trabalho, nem transar como animais; olhar o outro como um par que escolheu para viver junto. Não há nada mais humano do que a tentativa de racionalizar o sexo e criar emoções ligadas a isso. Os toques das mãos agora não geram mais tanta lascívia, mas um carinho especial. Uma sensação de estar sendo amado e de ser entendido por alguém no meio de milhões. As gotas de água do chuveiro tiram todo o estresse cotidiano do corpo e o leva para o ralo, enquanto o casal abraça-se debaixo do chuveiro.

Gotas de Iogurte

A rotina continua, mas já tem data para ser quebrada: 1º de abril. Não se trata de uma inversão do dia pela brincadeira do dia da mentira, mas de uma viagem para o Nordeste, com a família dele. Passam-se dias e o instinto vampiresco de ver sangue não é saciado; mas o casal, um pouco desregrado e distraído pelas férias, não presta atenção às regras, literalmente. E assim passam-se semanas.
Voltam para o lar, e a vida a seguir seu ciclo, com a companheira rotina sempre descansando por cima do teto. Mas uma mudança faz a rotina ficar abalada: o café da manhã, sempre preparado por ele, passa a não ser consumido por inteiro. O pão fica pela metade e é levado por ela para comer mais tarde; o iogurte sobra quase metade no copo. Ela alega não estar conseguindo comer tudo, está embrulhada.

Gotas de Mijo

Todo dia o café pela metade. Ele já estava meio de saco cheio, parecia desfeita: acordar às seis e pouca da manhã, horário totalmente inadequado para alguém estar com os olhos abertos, ele fazendo sanduíches com recheios deliciosos, e ela sempre com aquela cara de desgosto ao comer. Desanima, mas ele continuou fazendo.
Ela apareceu gripada, e quando foram ao mercado, ela decidiu passar na farmácia para comprar remédio. Ele foi junto, mas enquanto ela pegava o dinheiro para comprar o antigripal da vida, ele foi e pediu ao farmacêutico um teste de gravidez instantâneo. Ela olhou para ele, estranhando; "ih, você tá curioso...". Ela pagou o remédio, ele pagou o teste e foram embora para casa.
Era véspera do aniversário dele, 11 de maio. Leram com atenção as instruções do teste na mesa da cozinha. Subiram, ela mijou no potinho e ele colocou o palito do teste dentro. Nenhuma tira vermelha significaria resultado inconclusivo. Uma tira significaria que não está grávida. Duas tiras, grávida.
Duas tiras.
- Pô, você podia ter deixado para me dar esse resultado amanhã, como presente! - exclamou ele.
- Mas foi você que fez o exame! - ela devolveu.
Ficaram felizes mas não tinham certeza. Podia ser alguma alteração da urina, e o exame indica "apenas" 99,9% de certeza.

Gotas de Sangue

No dia 12 de maio ficaram quietos, almoçaram com a família dele. O aniversariante morria de vontade de ter certeza, mas não podia falar nada. O dia passou e procuraram saber sobre exame de sangue para confirmar gravidez. O horário de coleta já tinha acabado em todos os laboratórios. O resultado podia sair no mesmo dia no sábado, dia 13, véspera de dia das mães. Tinham que tentar.
Acordaram às 7 horas da manhã no dia seguinte e foram ao laboratório para que ela tirasse sangue. Ela tirou e o resultado ficaria pronto na segunda-feira ou às 19 horas do sábado, se desse. Torceram.
Já tinham marcado com familiares e padrinhos um almoço para comemorar o aniversário dos dois. Fizeram comida para um batalhão e encheram a casa. Comeram e divertiram-se com o pessoal. Às 19 horas ele entrou no site para verificar se o resultado havia saído. Não. Apenas segunda-feira. Acabou a festa, e a euforia junto.

Gotas de Lágrimas

Depois de arrumar um pouco da bagunça, ele resolve checar de novo. Já são quase oito horas da noite.  O resultado saiu:
>25.000 positivo;
<25 .000="" b="" negativo.="">


Resultado: 128.663

A rotina estava quebrada. Conteve-se, pois ainda tinha visita em casa, e queria ter o momento deles. Avisou discretamente a ela. Levaram a última visita em casa. Voltaram no carro conversando normal. A ficha ainda não tinha caído. Voltaram para casa e viram o diagnóstico juntos. Choraram de alegria. Sabiam que a vida ganharia um nível de dificuldade, mas viam que a rotina seria quebrada por um pequeno ser que simbolizava algo especial para eles.Um ser surgido de cuspe, baba de buceta e porra, do que há de mais animal no homem; mas que estranhamente começaria como uma coisa pura e inocente.
Depois que a ficha caiu, as lágrimas de alegria seguiram o mesmo fluxo e não pararam mais de cair. 
E a rotina certamente foi quebrada.

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Nota do autor: foi a PRIMEIRA VIAGEM que fiz com a Luciana em que ela não ficou menstruada durante algum momento. True story.

quinta-feira, 25 de maio de 2017

Vidadulta

A velhice chega. Você pode perceber por conta de uma dor nas costas, uma "dor nas juntas" (essa é inegável), ou muitos outros fatores. Mas provavelmente o primeiro será as suas compras no mercado.
Entrei no mercado para comprar leite e tapioca. Comprei leite, tapioca, detergente, esponja de lavar louça e (pasmem!) amaciante de roupas PORQUE TAVA BARATO (sim, você passa a saber preço de amaciante de roupa!!!).
A vida é triste... Você entende o que é supérfluo quando passa a gastar dinheiro com o essencial e básico.

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OBS: dessa cez aida levei 2 amaciantes, e um saiu de graça, porque o preço tava errado e acionei o "consumidor de olho no preço", do Procon hehehhe. Fuck you, Guanabara!

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Desejos

No mesmo lugar de sempre. Ele terminou sua refeição, e agora, como já é usual, procura por ela. Comeu como um touro, e o encontro com ela passou a fazer parte do que o próprio chama de terapia: alguns minutos com ela e ele já estaria disposto a voltar ao batente; quando ela não estava, ele voltava à mesa do almoço, permanecia por horas a fio, olhando para algum ponto qualquer, sem olhar nada.
Ela não estava lá, mas havia uma outra. Mais nova. Hesitou. Fez a aproximação mais cuidadosa, e esbarrando levemente nela, sentiu-a: era firme, possuía uma rigidez no lugar da flacidez da outra. Aquilo não ajudava.
Ele já estava acostumado à flexibilidade da outra; a facilidade com que ficava molhada por inteiro; o modo como ela encaixava-se suavemente em suas mãos e deslizava por onde ele passava. Mas tentou. Pegou de mal jeito, e percebeu que realmente, ela era toda dura. Não caiu-lhe perfeitamente na mão. Mas tentou, mesmo assim.
Após algum tempo, ela não estava molhada por inteiro, mantinha-se meio seca, se é que era possível isso. Ou apenas era um bloqueio de sua mente. Mas assim é a vida. Provavelmente nunca mais encontraria a outra (a essa hora, onde estaria? Talvez jogada em algum lixo por aí); e afinal de contas, a "outra" havia substituído uma outra anterior a ela... E é assim que o mundo gira.
Foi horrível, mas ele sabia que com o passar do tempo, essa nova acabaria ficando mais maleável, exatamente como era a esponja velha.
Ele odiava lavar a louça, ainda mais quando trocavam por uma esponja nova.

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Banco Imobiliário

Vocês têm noção que todo mundo tinha sido avisado que a vida ia ser uma miséria com um filho da puta tentando pegar todo o dinheiro do mundo pra construir casas e comprar companhias de energia e transportes, que ele não precisa, só pra te deixar mais pobre?
Banco Imobiliário (com o sugestivo nome em inglês MONOPOLY) tava gritando na nossa fuça, e a gente rindo, achando legal...

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Baratos da vida

Todo mundo já ouviu dizer que algo ruim "saiu caro"; ou que fulano "acabou pagando caro", quando uma situação que parecia vantajosa dá uma merda e vira algo negativo.
Todo mundo já teve aquele amigo maconheiro que largou tudo para curtir "os baratos da vida"; ou aquela pessoa da década de 70 que exclama "mó barato, cara!", quando vê algo muito bom, fantástico.

Prestem atenção, cambada de filho da puta!!!
Ruim? = Caro
Ótimo? = Barato

Utilizem essa lógica pra comprar vinho e nunca mais serão cometidas injustiças com os "Solar de España" da vida.

Give me vinho barato, bitch!

Sonho do Crocodilo

Sonho louco do dia.
Estava eu em algum lugar, uma casa que eu tinha alugado. Tava recolhendo as roupas lavadas, quando o pessoal da casa chegou. Eram todos brancos de cabelos laranja, aí eu pensei que poderia estar em alguma confusão de gangue sei lá, mas os caras estavam vermelhos de praia o que faziam estarem sensíveis a qualquer tapa. Se fosse uma gangue, estavam fragilizados, pensei. Ok. Mas os caras me chamaram para gravar um clipe, eram uma turminha de audiovisual, só eram meio playboys. Beleza. Me deram uma
Mochila cheia de mentos como forma de pagamento (nem em sonho me deixam receber dinheiro nessa porra, puta que pariu...). 
Aí estava gravando o clipe, que na real era uma encenação, aí apareceu a Luciana, minha sobrinha, todo mundo, porque estava sendo gravado em um clube. E tudo era pago pelo padrasto do playboyzinho ruivo mor, que era quem estava comandando a parada. Beleza. 
Terminada a parte do clube, tivemos que pegar um barco enorme (mas não era um navio, era um barco de madeira, enorme) e então apareceram várias pessoas da minha família, minha tia, o namorado dela, o filho mais novo dela, o Lucas, e minha prima Victória. Eu, Lucas e Victória ficamos na parte da frente do barco (popa, proa, putaquepariuoa, foda-se, use sua sabedoria marinhesca). Pegamos o rio e fomos... Até que chegamos a um enorme rochedo, onde o rio formava ondas, não sei como, mas era como se fosse o mar. E as ondas impulsionavam o barco rochedo acima! Para chegar onde tínhamos que chegar, as ondas gigantes (ou seus resquícios) batiam no barco, que impulsionado pela onda, subia a rocha até onde a onda alcançasse. Da primeira vez, fomos até quase o topo, mas a onda perdeu força e o barco começou a cair junto, de volta para o rio / mar. Nisso, para não cairmos e ficarmos já a meio caminho do topo, eu e Lucas nos penduramos no barco e fincamos as mãos nas pedras, tentando segurar o barco, e o fizemos por algum tempo. Depois, começamos  a perder força, soltamos as pedras e o barco começou a cair tudo de novo. Enquanto esperávamos nova onda para impulsionar, o Lucas resolveu se amarrar a uma corda que estava na p__a (parte dianteira) do barco, e ficar pendurado do lado de fora. Eu o avisei que no que o barco subisse, ele seria arrastado nas pedras e morreria, mas nem deu tempo de ele repensar, e uma onda atingiu o barco. Começamos a subir, e nada de eu ver o Lucas, que estava submerso, e imaginava eu, deixando lascas do seu frágil corpo de mosquito nas pedras. Aí nesses desespero de achar que o muleque tava morrendo, olho pra direita e um FUCKING crocodilo gigante passa, totalmente de buenas, pegando carona na onda. E eu olho pra Victória e comento "cadê o Lucas? Falei que ele ia fazer merda", e quando eu procuro o Lucas na p__a do barco, vejo, mordendo a corda a qual ele se amarrou, o crocodilo, que só a cabeça já tinha o tamanho do Lucas. Percebi que o Lucas tinha sido comido pelo crocodilo, e fiquei mal. Avisei minha prima, o namorado da minha tia, mas não tive coragem de falar com ela. Fiquei abatido, mas o barco chegou à África do Sul (??????), que era onde seriam as gravações, e aí tinha gorila solto, e o crocodilo gigante passou perto da gente encarando, eu olhei com raiva pra ele... 
Eu ainda teria que gravar, mesmo naquelas condições e... Acordei!

Cara, fiquei muito aliviado que era sonho, porque eu ODEIO MENTOS!!!!

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Homicídio

Hora de matar.
Você agüentou por muito tempo essa convivência escrota, absurda, apenas por um puro moralismo. Sim, uma fraqueza moral, para dizer a verdade: não conseguia aceitar a idéia de matar. Mas passam-se os anos, a convivência diária vai ficando insuportável, e você percebe que ela merece ser morta.
Bateu o martelo, finalmente, seu frouxo! O negócio agora é decidir "como". Bom, minha opinião, você sabe: evitar o uso de armas de fogo; muita bagunça para pouca criatividade. Machado é sempre uma boa pedida, senhor. Sim, sim. Brutal, primitivo, sem muita firula. Mas é necessária habilidade e frieza para MATAR; não basta aleijar ou causar danos. Facão, ok também. Cortes são bonitos, chocam e permitem os mais diversos ataques, aos pontos mais variados do corpo. Acertando um letal, tudo certo.
Ah, o convívio com ela começou cedo, não? Quanto tempo faz? 20 anos? Pouco mais? Enfim... ela começou chegando-se, inocente, e foi crescendo em importância na sua vida. Quantas coisas você fez por causa dela? Tudo o que ela lhe inspirou... Surgiram coisas bonitas, de verdade. Mas quando chega a hora, não tem jeito.
Vá lá. Mate-a.

Eu sempre adoro quando chega a hora de matá-la.
Ela.
A vontade de suicidar-se.

sexta-feira, 14 de abril de 2017

Covardia (ou cordel antihomofobia)

Marcelo era  garoto
Desses, sem nenhum arreio
Diz-se livre, leve e solto
Quando bêbado, sem freio

Jogava-se, quase voando
Aos corpos de umas meninas
Vivia sempre amando
Mas triste era sua sina

Os meninos não escapavam
Das voadas do menino
Tocando-se, apalpavam
Descobriam o grosso e o fino

Respeitava a rejeição:
Não querendo seu pau ou o cu
Ele pegava um vento sul
Partia em nova direção

Queria rodar o mundo
Voando, vista cerrada
Mas um pensamento imundo
Fez a coisa dar errada

Esbarrou-se, então, com Pedro
E sua turma do mal
Este negava o desejo
Mas enrijecera-lhe o pau

Não sabendo como agir
Por pura homofobia
Pedro resolveu punir
Marcelo na covardia

Fez jus à fama de mau
E o garoto foi espancado
Chamaram-lhe de viado
E pintaram de colorau

Um violento bacanal
Deu triste fim a um erro
Por medo do prazer anal
Hoje temos um enterro.

sexta-feira, 3 de março de 2017

Tipos de pessoa

Existem dois tipos de pessoa: um que eu me identifico e outro que não. E isso vai ao infinito, e dois tipos é o caralho, sejamos francos: "dois tipos de pessoa: o tipo que chupa buceta com vontade e o que tem nojinho..."; "o que chupa picolé e o que morde o picolé...", etc. Enfim. Vou falar de dois tipos específicos: os que jogam o alimento que caiu no chão fora e os que assopram e utilizam.
Confissão - e sim, se você comeu ou bebeu na minha casa, provavelmente algo deve ter caído no chão, porque "existem dois tipos de pessoa: os que não são estabanados e os que são como eu". Bom, geralmente eu penso que o chão deve estar mais limpo do que os de restaurantes que eu já fui, e às vezes pago caro até por isso, então, não vejo problema, mesmo. Mas certas coisas, até o mais fresco dos frescos devem me dar razão.
Deixei cair um pote de amoras. Sabe, a frutinha roxa gostosa a beça, que geralmente a gente pegava na rua? Pois é, essa merda é cara pra caralho! Comprei um potinho porque tinha tempos que não comia amora (a última vez, parei em frente a uma amoreira carregada, que fugia do quintal onde estava plantada para a calçada da rua; no que colhi as primeiras amoras, um carro sobe a calçada, e a mulher entra na casa, me deixando totalmente sem graça, tipo um Chico Bento roubando frutas do pomar alheio). Um potINHO, bem pequeno: R$ 6,99. É muita vontade de comer amora. E essa merda, quando fui pegar da geladeira, me cai no chão, espalhando todas as amoras, cada amorinha daquele plástico maldito (que abriu-se como uma vagina sedenta de ser devorada) jogadas pelo chão da cozinha. Óbvio que pensei "calma, é só lavar...", mas um outro pensamento me veio, ao mesmo tempo. Algo tranqüilizador, de certa forma; minha memória puxou uma saída recente, a um bar legalzinho, que já até apoiou um curta meu. Eu e Luciana fomos almoçar, ela pediu salgadinhos de petisco; ela queria salgadinhos variados para experimentar, o garçom falou que não podia, pois era pacote fechado com a quantidade certa. Ok. Um bolinho veio refrito. Quantidade certa, meu ovo. Ela fez questão de encrencar. Eu quis comer aquilo refrito mesmo; ela separou e pediu pro garçom trocar. Ele tentou argumentar que não dava, mas ela não mudou uma vírgula da reclamação. Voltou um outro salgadinho, mais bonito, certamente. Ela não comeu, ia pedir para embrulhar para a viagem. Eu sabia que o bolinho tinha sido passado nas axilas e nas partes íntimas de quem fritou. Tomei coragem, respirei... torci pra cozinheira ser mulher: antes um bolinho passado na buceta do que um passado no saco. Comi aquilo. Antes comer um bolinho zoado apenas uma vez, do que saber que o bolinho voltou para a cozinha, com o garçom dizendo: "Aí, a mesa que pediu para voltar o bolinho refrito não comeu esse que você fritou e pediu para botar pra viagem. Embala com carinho, só não deixa pentelho visível, beleza?".
E a amora, nesse chão limpinho, quem vai reclamar? Tem nem cheiro de bunda ali... Sou do tipo que pega, assopra, no máximo passa uma água e manda ver.
Mas existem dois tipos de pessoa: as que sabem que a cozinha de restaurante já tem suas nojeiras em quantidades satisfatórias, e as que mandam a comida voltar pra darem uma temperada com suor de saco. Sou das primeiras.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Língua estrangeira

Há uma língua estranha
(Se puderes, evite)
Apontada como emudecedora

Que no entanto tem sua
Própria gramática
P'rá alma errática
Ser  vil consoladora

Poucas palavras fazem
Parte dessa tal língua,
Os atos são o que a torna robusta

Desespero urro tiro
Vocabulário banal
O verbete principal
Suicídio; Angústia.

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 Agora texto que deu origem à poesia não-poesia.

A angústia é uma língua com vocabulário próprio. Não importa quantos idiomas a pessoa angustiada domine; não importa o quão conhecedora ela seja de línguas. A angústia a faz perder a capacidade de expressar-se através de palavras. Dialetos esquecidos, línguas mortas, língua nativa; nada consegue descrever de forma tão perfeita os tormentos. A angústia é independente nesse caso, tem sua prórpia língua, feita em sua maior parte de atos. Esses sim, expressam indubitavelmente a angústia: unhas roídas, olhares nervosos distribuídos para todos os lados, olhar fixo no nada (gazeing), isolamento.
Poucos compreendem. Como ajudar alguém quando não se compreende o que a pessoa está dizendo?
Deveria ser mais estudada...

Jantar em Família (Giovanna)

Era para ser apenas um jantar. Chamei meus pais e meu irmão (com minha cunhada e minha sobrinha, claro) para comer lá em casa. Óbvio que embora a janta tivesse sido bem preparada, sabia que a disputa em importância ia ficar com a Giovanna, e não deu outra.
Contarei de forma não-cronológica, pois o melhor aconteceu logo de cara. Mas após o jantar, mostrei a ela uns docinhos que tinha guardado para ela. Quando ela mordeu, fez cara de quem não gostou e falou que não comeria mais aquilo. Não entendi, já que ela gostava daquele docinho, mas ela me vira:
- Pô, titio... me preparei toda pra comer o docinho... Brincadeira!
Reclamando desse jeito, como poderia eu ficar puto com essa criatura?
Mas o pior foi antes do jantar. Ao que todos pegaram seus pratos e talheres, percebi que o número de garfos era maior, e estava faltando faca.
- Alguém aí quer faca?
Umas três pessoas disseram "eu!", uma delas a Giovanna, que ainda complementou:
- Eu quero uma faca... pra eu poder me matar!

Puta que pariu, aquele silêncio na mesa, só eu rindo! Essa garota pegou alguma coisa do meu humor.
Amei a piada, pena que ela será incompreendida... hehehe.

Só isso. Texto babação pura.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Crônica de uma morte viajada

Fim de noite. Alguns poucos amigos ainda estavam em sua casa. Gustavo estava sentado distante, não que não gostasse das pessoas, mas interagia muito pouco quando estava doido. E ele estava doido. Havia tomado um selinho de LSD, e estava totalmente absorto ouvindo a música do ambiente. Gostava de sentir como músicas triviais ganhavam camadas extras quando ele estava sob efeito do ácido, mais até do que as alucinações visuais. Algumas músicas passavam a ter a experiência de ouvi-las alterada depois de prestar atenção na sua totalidade (música pura mais o que está escondido para os viajantes desse mundo), fazendo com que ele gostasse mais delas.
E no exato momento em que tocava "Ashes to Ashes", do Faith No More, e ele viajava sobre brigas entre baleias gigantes e alcatéias de lobos-do-ártico, no ártico (porque numa viagem, dependendo do selo, isso pode acontecer até no inferno...), um estrondo surpreendeu-o, tirando-o do delírio, e a música pareceu esmaecer. A alcatéia e as baleias saíam cada uma para seu lado, dissipando a viagem de Gustavo, e ele lentamente abriu os olhos para tentar compreender o que estava acontecendo. Algo chamou-lhe a atenção no bar de canto de sua casa, e ao cerrar um pouco os olhos - algo que psicologicamente funciona como uma tentativa de dar foco à visão - , percebeu que ali estava um homem que ele não conhecia, encarando-o. O sujeito realmente era estranho - o fato da visão de Gustavo estar em um constante ir e vir em um zoom maldito ajudava a achá-lo estranho, talvez - , e no entanto, parecia ser a sua casa, tão à vontade que estava: uma camisa de botão preta com estampas quase radioativas de tão coloridas, aberta até a metade da barriga; em uma das mãos, uma taça com alguma bebida dentro; e no rosto, um sorriso cínico dos mais vagabundos.
O sujeito começou a vir na direção de Gustavo, que tentou desviar o olhar, para o chão, depois fechou os olhos, ficando cada vez mais tenso na medida que sentia o sujeito aproximar-se. "A merda do meu safe place, caralho... respeita meu safe place...", pensava, angustiado, o anfitrião chapado. Sentiu, mesmo com os olhos fechados, algo cortar-lhe os resquícios de luz que batiam nas pálpebras e teve certeza que aquele cara estava na sua frente, tão próximo que... sim, conseguia sentir o hálito de bebida forte vindo daquele desconhecido, a uma distância que, em sua juventude, seria considerada a distância anterior a um beijo de língua bem babado em alguma garota. Fechou ainda mais o olho esquerdo para que abrisse apenas um pouco do olho direito, o que o fez ficar com uma careta de criança birrenta, com a boca puxada para o lado esquerdo. Ao abrir, o que viu foi um imenso rosto desconhecido mais próximo do que ele gostaria, com um imenso sorriso debochado e olhos esbugalhados que convergiam para o seu. No susto, Gustavo abriu os dois olhos e jogou-se para trás, instintivamente. O sujeito ria e sentou-se ao seu lado, dando-lhe um tapa na coxa, com uma intimidade que não fazia sentido.
- E aí, Gustavo, vamos conversar?
Gustavo olhou para o sujeito, sem entender o que estava acontecendo, se era algum conhecido que por culpa da viagem de ácido ele estava apenas enxergando alguma camada nova que ele nunca havia notado.
- Cara... eu só quero...
- Ficar sozinho, eu sei... - interrompeu o fanfarrão. Olha, eu sei muito mais sobre você do que qualquer um, e acredite, acho que gostaria de saber o que eu posso te contar. Vem, tem muita gente aqui.
O rapaz levantou-se e caminhou em direção ao quintal, um lugar que realmente estava mais vazio do que a casa, já que não havia bebida lá fora. Gustavo sem saber muito o porquê, acabou seguindo as estampas berrantes da camisa, com sua percepção de espaço ainda alterada e causando-lhe uma certa vertigem.
Ao chegar no quintal, Gustavo encontrou o estranho encostado em uma pequena árvore que começava a crescer ali, apoiando-se com um dos pés na mesma. Aproximou-se dele, sabendo que ali na casa dele era para ter apenas seus amigos.
- Quem é você, cara? Desculpa, mas eu tô meio...
- Meio chapado? Cara, você tá viajando bonito com esse LSD aí! Você tava tocando altos instrumentos imaginários enquanto tava sentado ali, e pouco antes de olhar pra mim, você tava uivando, cara. Sim, uivando, e o pior, no ritmo da música. Hahahaha!
Meio constrangido, ele lembrou-se da briga entre baleias gigantes e lobos-do-ártico que passou em sua cabeça há pouco tempo atrás - embora ele não tivesse a certeza que era pouco ou muito tempo atrás. Sorriu sem graça, mas subitamente lembrou-se que não foi respondido.
- Tá, mas... quem é você?
O sujeito abriu um sorriso enorme, empolgado.
- Eu sou um mensageiro. Meu nome é Hermes, mas pode chamar de anjo, de demônio, de alucinação, de epifania, foda-se. O que importa é que sou o cara que vai te falar da tua morte, cara!
Gustavo olhou assustado para ele, mas com um misto de animação. Adorava falar sobre morte, e fantasias de seres sobrenaturais. Achou linda essa doideira toda que o ácido lhe causava; era a primeira vez que conversava com alguém que não existia, no entanto.
- Uau! Haha, cara, conta aí, espero que eu lembre disso amanhã.
O mensageiro sorriu contido e sentou-se, sendo acompanhado em seguida pelo anfitrião.
- Vai lembrar sim, Gustavo. Vai lembrar por conta do desespero, mas espero que isso não te atrapalhe. Veja isso como uma chance de aproveitar a vida como poucos têm. Nem todo mundo recebe essa mensagem.
O clima, que era tão amistoso e de animação, começou a ficar estranhamente pesado, com o tom de Hermes ficando cada vez mais sério. Ele continuou.
- Você vai morrer daqui a pouco mais de uma semana. Exatamente na madrugada de domingo para segunda, às 3:33.
Gustavo ficou sério, chocado com a revelação, com o modo como a mensagem estava sendo passada. Uma fala carregada de pesar e de pena, disfarçada com um sorriso, amenizou o clima.
- É metade de 666, né? Hehe isso aí fui eu que negociei pra você, porque eu sei que você se amarra nessas coisas. Eu também curto essas zoações, Gustavo.
O anfitrião estava tenso, e arrancava alguns matos do chão, deixando-o com as unhas cheias de terra, enquanto pensava no que estava sendo dito para ele.
- Você é minha pior bad trip, cara. Tô ficando assustado...
Hermes abraçou-o, chegando novamente próximo a ele, como um amigo íntimo bêbado querendo animá-lo após alguma notícia péssima.
- Cara, como eu disse: veja isso como uma chance. Você está sendo avisado, eu nunca faço isso assim, explicitamente, mas eu acho você maneiro, mesmo. E lógico, o LSD ajudou bastante para eu poder fazer essa comunicação extra-sensorial.
- Porra, você existe ou não existe? Vou ficar com um cagaço de morrer essa semana... - Gustavo olhava diretamente para os olhos do mensageiro, e o que ele via ali era um pouco de compaixão e... verdade.
Hermes agarrou sua cabeça colocando-a entre suas mãos abertas, puxou-o para muito perto, e para que olhasse frontalmente em seus olhos, sem poder fugir do que via, e falou sério com ele.
- Você não vai morrer durante essa semana, Gustavo. Você morrerá na madrugada de domingo para segunda, às 3:33. Entendeu? Madrugada de domingo para segunda, às 3:33. Preciso repetir?
- Não...
Gustavo voltou a olhar para o matinho que ele arrancava inconscientemente da terra, cabisbaixo. Hermes começou a levantar-se.
- Olha como eu fui legal contigo, deixei você morrer após aproveitar o máximo do fim de semana e sem precisar ir trabalhar na segunda!
Ao olhar para cima, Gustavo viu Hermes virando a bebida que ainda estava em sua taça, e desesperado fez a pergunta mais óbvia, após saber quando iria morrer.
- Mas de que eu vou morrer?
O mensageiro da morte, após terminar o gole, tacou a taça na cabeça do chapado, que apagou sem ter uma resposta.
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Gustavo acordou assustado em sua cama, ao lado da namorada, Patrícia. A levantada súbita acordou a garota, que sorriu.
- Nossa, veio de outro mundo, hein...
Ele olhou-a, com olhos que o faziam parecer um lêmure. Nem foi preciso pedir explicação.
- O Sr. Chapado que dormiu no quintal, falando sozinho e com uma taça quebrada.
- Mas eu nem bebo quando uso LSD, você sabe! - reagiu Gustavo.
- Não bebia, né... ontem parece que misturou e ficou doidaço!
Uma pontada de tristeza invadiu-lhe a mente, mas ele não conseguia entender o porquê. Aos poucos, no entanto, a memória trouxe algumas partes da noite anterior. Patrícia estava falando com ele, mas em sua cabeça só havia espaço para a lembrança de Hermes, o papo da morte... a data veio, fazendo-o dar um salto da cama.
- Nossa, não tá me ouvindo não, Coisa?
Adorava quando ela o chamava assim, mas realmente, estava começando um domingo que segundo sua última viagem seria o penúltimo de sua vida. Deu um beijo rápido na garota, e sabia que precisava pensar sobre isso, e fez o que era de costume quando queria pensar em algo sossegado: entrou no banheiro.
Após quase uma hora tentando decidir se era uma alucinação muito forte por ter misturado ácido com bebida, ou se foi realmente um portal de outro mundo que apareceu em sua vida para o aviso fúnebre, não chegou a conclusão nenhuma. Seu ceticismo não o permitia aceitar aquela doideira toda, misturando seu goticismo depressivo com mitologia grega. "Mas quer saber, pelo sim, pelo não, vou tentar aproveitar".
Ligou para o chefe e pediu compreensão, mas precisava tirar a próxima semana para resolver assuntos sérios de sua vida. Como sua voz era realmente triste e parecia vir de um abismo, tão apático ele soava, o chefe não pediu explicações e permitiu que tirasse o tempo necessário, mas que se cuidasse. Gustavo consentiu.
Decidiu que não explicaria o motivo de estar afoito para ninguém. Avisou a Patrícia que tiraria a próxima semana de férias, e que se fosse possível, ela pelo menos folgasse durante alguns dias para poderem passear, mas avisou-a de que teria que passar na casa de algumas pessoas importantes para ele: família, amigos, e que não poderia esperar que ela chegasse do trabalho para o tal, e que iria fazer isso durante a semana. A garota não entendeu nada, a pressa dessas visitas, e começou a argumentar que isso os atrapalharia quando quisessem tirar férias juntos. No que os tons começaram a elevar-se, Gustavo disse que não queria brigar. Como amava aquela garota e odiava brigar com ela por motivos bobos... Mas sempre que pequenas coisas saíam dos lugares, podiam virar brigas feias, estúpidas e sem motivos reais. Mas ele não tinha tempo para isso; sabia que ficaria uma eternidade ao seu lado, quanto mais uma semana. Beijou-a e disse que apenas sentia que precisava fazer isso, e não queria brigas durante aquelas férias surpresas. Começaram o domingo transando antes do almoço.
Gustavo aproveitou os dias ao máximo, alongando as noites o máximo que podia com Patrícia, e acordando cedo para passeios. Passou um longo dia com os pais, vendo fotos de quando era mais jovem, relembrando histórias da infância e juventude, e óbvio, pediu para os coroas fazerem a comida que ele mais gostava de cada um. O caldo de aipim com carne seca do pai; as batatas gratinadas e a lentilha da mãe. Continuavam com o mesmo gosto de quando era mais jovem, e a família continuava divertida.
Foi uma semana de encontros com diversos amigos que não via há tempos. Passeou com a sobrinha, uma das criaturas mais queridas por ele, mas que o trabalho, a distância e a vida corrida acabavam fazendo com que não se vissem tanto quanto gostaria. Patrícia tirou duas folgas e viajaram para lugares próximos, aproveitando cada momento da viagem. Tanto com os amigos, quanto com a família ou até mesmo com Patrícia, teve que segurar o choro diversas vezes, sempre que pensava que estava perto de morrer e aqueles eram escolhidos para compartilhar com ele os últimos momentos da vida; isso lhe dava uma tristeza e uma alegria imensas, uma mistura de extremos de cada sentimento. Mas não podia chorar, não podia falar com ninguém sobre isso. Como explicaria que um selo de LSD lhe abrira um portal e fizera com que tivesse uma epifania de sua morte através de Hermes? Iam interná-lo como louco, e ele não podia perder tempo explicando nada; precisava viver.
E assim fez, intensamente, até chegar a noite de domingo. Ele e Patrícia estavam sentados no quintal, no mesmo local onde Gustavo teve as revelações. Abraçados, olhavam para o céu, e a lua estava cheia, foda, um banho de contraste naquele azul quase roxo do céu.
- É, Coisa... amanhã você volta ao trabalho, né... Foi muito boa essa semana! Ao menos o tempo que eu passei com você né, porque ficou saindo pra um monte de lugarzinho... - Patrícia falava, debochando, mas sem brigar.
Sentiu o choro vir, mas continuou olhando firme na lua, enquanto sabia que os olhos estavam úmidos, e aquela ânsia estava subindo na garganta já. Engoliu aquele choro; agüentou até agora, não seria no final que ia fraquejar.
- É. Foi uma ótima semana!
Patrícia levantou-se e deu uns tapas em sua própria bunda, para tirar os matinhos e a sujeira de terra do short.
- Mas agora vamos deitar, que amanhã voltamos pra rotina?
Gustavo continuava sentado, olhando a lua. Olhou Patrícia e sorriu.
- Vamos ver um filminho antes de dormir...
- Ai, você sabe que eu vou dormir... tá tarde... - Patrícia reclamava, mas já estava acostumada a começar a acompanhá-lo vendo um filme e dormir pouco depois, para no dia seguinte perguntar sobre como terminou (sendo que mal via a história começar a desenrolar-se).
Ele levantou e deu um apertão em sua bunda, e os dois correram para dentro de casa.
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Saíram do banho após transarem na sala, assim que entraram do quintal. Gustavo colocava um filme no DVD. "Trinta anos esta noite". Patrícia pega a capa do DVD e faz uma cara de nojo com um riso sarcástico.
- Ai, filme velho, preto e branco... vou dormir rápido nesse...
Gustavo sorri.
- Vou escovar os dentes, na volta eu dou o play.
- Se eu ainda estiver acordada, eu vejo... - brincou Patrícia.
Ele sorriu e agarrou-a, dando um longo beijo e percorrendo seu corpo com as mãos. Soltou-a depois de um tempo e foi para o banheiro.
Olhou o relógio: 01:07. Faltavam pouco mais de duas horas para sua morte. Começou a escovar os dentes. Embora adorasse o tema, Gustavo morria de medo da morte e tudo o que se relacionava com ela: sangue, hospital, etc. Cagaço mesmo, desses de fazer passar vergonha. Estava perto de confrontar-se não com um desses subtemas, mas a própria morte, em breve. Ou poderia ser só alucinação aquilo tudo. Mas o medo era maior por não saber como iria morrer. E se sofresse muito? E se jorrasse sangue? E se batesse o desespero que o fizesse esquecer dos lindos momentos que tivera na vida, e principalmente os que estavam mais frescos, daquela semana? Os últimos momentos, quando você vê toda a sua vida passar rapidamente, não podiam virar uma luta inútil contra o destino fatal em uma tela preta em sua cabeça, só por conta do desespero. Era melhor morrer dormindo, conclusão final, ao término da escovação.
Pegou um remédio para dormir e tomou, para ajudar a passagem, mesmo que artificialmente. Estava voltando para a cama, quando pensou em acordar nos momentos finais de uma parada cardíaca, já morrendo e desesperado por puxar um ar e não conseguir forças para tal. Voltou ao banheiro. Tomou mais um remédio. Dois devem dar conta do recado.
- Vem logo, Coisa! Eu vou dormir, hein! Que tanto faz no banheiro? Tá batendo punheta, é? - gritou Patrícia, deitada na cama. Pode vir que eu agüento mais uma trepada... Filme é que eu durmo...
Gustavo riu. Partiu para a cama e deu umas lambidas em Patrícia, brincaram um pouquinho mais. 02:18. Foi lavar-se no banheiro enquanto Patrícia ficou na cama. Ele sabia que na volta ela já estaria dormindo dessa vez. Olhou-se no espelho. Estava feliz.
Tomou mais nove pílulas e partiu para a cama.
Ele deu o play no filme. Não conseguiu ver até o final.

Leituras horripilantes

Texto iniciado em 25/01/2017

Estava há um tempo tirando o atraso de leituras. A vida corrida das metrópoles sempre faz com que as pessoas distanciem-se daquilo que as dá prazer, e podemos dizer que a leitura estava cada vez menos presente em sua vida: um livro a cada quatro, cinco meses... Resolveu voltar ao ritmo que lhe agradava e estava devorando livros como antigamente. Robustos livros eram lidos em dias, dependendo do ritmo no trabalho, o que lhe diminuía o tempo, em semanas. Mas certamente havia voltado. Encarou seguidamente quatro do Saramago, um Huxley, um Fausto Wolff, até confrontou-se com um antigo preconceito, leu a Ópera do Malandro, do Chico Buarque ("do Chico" é o caralho... é menstruação...), e foi para dois livros de um autor que adorava desde adolescente: Stephen King.
O primeiro livro, "Thinner", leu rápido, pois estava operado e com tempo suficiente na cama sem ter o que fazer além de contemplar o teto, lembrar dos momentos horríveis no hospital e beber água. Beber muita água e chás (de salsa, de quebra-pedra, do diabo a quatro das ervas). Uma maldita pedra no ureter esquerdo o fez aprender na marra aquilo que os pais sempre o disseram (e ele sempre ignorou, como fazemos com quase todos os avisos vindos dos pais): se não beber água pode acabar com pedra nos rins. Sentiu o gosto da diversão novamente naquelas palavras de medo e horror, daquele que era considerado um mestre do gênero. Terminado o livro, olhou para a estante - aquela pilha de livros que ainda não leu: mais Saramago, mais Huxley, quadrinhos do Adão Iturrusgarai, o novo do Allan Sieber com o pai dele, Veríssimo... E mais um do Stephen King, "Sombras da Noite", um livro de contos.
Como o gosto pelo terror sempre foi preferência, e aquele estilo de escrita havia o colocado em uma espécie de retorno à adolescência, aquela leitura divertida ao descrever medos e angústias, resolveu dar continuidade, e pegou mais um do mestre do horror. Já haviam passado quase duas semanas desde a operação, e Stephen King caía bem para as leituras relaxadas de tardes no sofá que não acabavam.
Leu contos que falavam sobre uma cidade fantasma onde criaturas abissais e missas satânicas enlouqueciam pessoas; pessoas que viravam gosmas nojentas; gripes que acabavam com a humanidade; ratos malignos e gigantes; caminhões assassinos; máquinas de passar roupa possuídas por demônios. Enfim, uma infinidade de assuntos carregados de terror e fantasia, buscando um absurdo que apesar de tudo, não o fazia cair na gargalhada, mas brincava em despertar o medo que seu subconsciente tenta esconder que você tem desde que passa à fase adulta. E alguns desses contos o remetiam a outros autores que gostava, como Poe e Lovecraft.
Ah, como divertia-se com as terríveis histórias de crueldade e morte que lia; de seres monstruosos; de uma morbidez crua e, ao mesmo tempo, bonita. Lendo Stephen King o fez pensar em todo esse estilo, nas frases clichês que tentavam injetar ao leitor um pouco de terror induzido. Mas quando havia passado da metade do livro, voltou ao hospital para pegar o resultado de uma tomografia: um exame tranqüilo, sem nenhuma infusão de agulha invadindo-lhe inconvenientemente seu corpo. Levou o livro de contos, para caso precisasse aguardar, o que realmente aconteceu, e estava divertindo-se com todo aquele clima sombrio do livro. No entanto, ao pegar o resultado, ainda com o livro de Stephen King em mãos, foi quando o universo deu um giro e ele compreendeu, da pior forma possível, que aqueles clichês de "um arrepio gélido percorreu-lhe a espinha", ou "sentiu os nervos congelarem embaixo da pele", ou qualquer outra fase que pareça de efeito, realmente acontece. A pedra continuava lá, diminuíra apenas um milímetro. O horror fazia-se presente, e qualquer história do Stephen King pareceria apenas uma boba diversão; sim, uma pedra com milímetros pode ser mais assustadora que qualquer conto genial desse autor, se colocada no seu ureter esquerdo. Perdido no espaço-tempo, pensou na nova operação que teria que fazer; nas agulhas que iriam perfurar-lhe sem consentimento verdadeiro; no cheiro de morte que todo hospital tem; e na sonda no piru. A sonda era certamente a pior parte de tudo.
E sim, minha espinha enregelou-se. Minha face contorceu-se no mais puro pavor, demonstrando uma fobia jamais sentida antes na humanidade.
Essas frases fazem sentido para mim, não só como frases de efeito, mas como demonstradoras do mais puro horror.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Tinha uma pedra no meio do caminho...

Postagem após operar para tirar uma pedra no ureter... Que me rendeu uma noite insone com uma sonda no pinto e um cateter que liga o rim à bexiga. Enfim, freak show.

15/01/2017

1997. F., 11 anos, 5ª série. Aluno exemplar, mas gostava de Casseta e Planeta e está na época de ver piada sexual em tudo.
Aula de biologia, órgão reprodutor. Um show de piadas e trocadilhos, ensinamentos da professora manipulados para virar piadinha escrota. Check. Tudo anotado nas últimas páginas do caderno. "Quem sabe no futuro eu não entro no Casseta e Planeta... 'Entrar'... Hahaha vou 'entrar'! Hahaha". Assim, F., aos 11 anos, começou a construir o que no futuro virá a ser um grande repertório de tiozão.
2017. F., 30 anos (valeu, senhores matemáticos, ele completará 31 esse ano ainda...), 3 dias após operar e colocar um cateter. Tenta, em vão, buscar em sua memória umas aulas de sua 5ª série, sobre o sistema urinário e o sistema reprodutor. Sabe que no homem esses sistemas têm algumas ligações entre si, mas só consegue lembrar da piada do espermatozóide que diz pro outro "relaxa, acabamos de passar pela garganta...", "saco escrotal, ânus"... "Como foi de virada de ânus, hein?"... Nada de útil. Foda. Três dias da operação...
Desesperado e com medo até de ficar de pau duro, recorre ao Google:
"Transar com duplo J pode?"
É, amigos... Estudem... Ou hidratem-se, porque o Google não tem respostas para tudo.

P.S.: Após me ajudarem na pesquisa (já que eu estava procurando "pode transar com duplo J?", e o certo seria "relação sexual com duplo J é permitida?"), e ficar confuso, não agüentei e no dia seguinte mandei mensagem pro médico, perguntando. Foi permitido e me diverti! Depois disso, passado alguns dias, a porra do catéter começou a incomodar quando eu ficava de pau duro, o que me fez descobrir, após dias de sofrimento (tentando pensar em coisas tristes para baixar...), que se eu colocasse o pau duro em uma certa posição, não doía... E assim vou, tentando ainda conseguir novas posições que me permitam sobreviver ereto.

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

A minha Língua

Passei a língua no grelo
De tão quente, ela grelhou

Passei o gelo no grelo
O gelo ficou grelado
O grelo ficou gelado

E a língua ficou grata
Pela sensação de g(r)elo.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Dia 1 - sobrevivência

Rio de Janeiro. Dia 1. Não sei bem quando aconteceu. Como toda guerra, a hora exata do começo ou do fim são delimitadas apenas nos livros de histórias, após a guerra acabar, e por gente que não esteve  nas batalhas. Mas essa não terá ninguém para escrever sobre, é a luta final da humanidade, ao menos no hemisfério sul. Resolvi chamar esse 1 de janeiro de 2017 de Marco Zero da Verdadeira Grande Guerra. Espero que não se incomodem.
São 6:35 da manhã do dia 2 de janeiro. Chamo de Dia 1 porque sobrevivi ao Marco Zero. "Sobrevivi", eu quis dizer. Afinal de contas, não sou velho aposentado e nem criança remelenta para me dar ao luxo de acordar nesse horário sem precisar - pois apenas os desocupados acordam voluntariamente na hora em que os ocupados precisam acordar; embora me ache um desocupado funcionalmente falando, quis dizer socialmente. Talvez fosse melhor eu expressar-me dizendo que só os que não lambem uma buceta com vontade ou que não devoram um caralho com a voracidade de uma pessoa faminta - os velhos ou as crianças - acordam sem motivo a essas horas da madrugada, em condições normais. Mas a VGG (verdadeira Grande Guerra) não tem nada de normalidade.
Muitos sucumbiram antes do Dia 1 raiar. Tenho minhas dúvidas se eu não preferia ser um deles. O calor entra em minhas narinas e rasga-me por dentro; o ar sufoca, e não há poesia nisso, acredite. São agora 7:28, e tenho traçadas apenas algumas linhas. Deitado, com dois ventiladores em cima (ar condicionado foi extinto pelo governo , agora, apenas quem é do mesmo - governo, que fique claro- pode usar esse aparelho), mas a moleza no corpo não me deixava dormir ou escrever: o vento gerado apenas servia para espalhar as gotas de suor pelo corpo, como se os ventiladores brincassem de ping-pong orgânico, rastro de suor embaixo do peito, para a esquerda... Parei, entrei no banho, joguei-me nu e molhado, com os pêlos do saco e da barba pingando, em frente ao ventilador. Refrescante, porém temporário. O saco contrai-se e os ovos dançam, como se estivessem vivos; a superfície vai enrugando-se e ficando seca. As poucas gotas de água estão nas pontas dos pêlos já, a sensação térmica agradável some e é melhor começar o preparo psicológico para o dia que nasce. Por isso demorei quase uma hora para esse esboço de diário. "Por causa do balé de suas bolas?", você pensa; é, pelo balé das minhas bolas.
Olho o mapa. Piscinas a serem invadidas durante o percurso, mar aberto que serve de refúgio. Bolsa fechada a vácuo para que os mergulhos não enferrugem as armas: Ok! A caminhada rumo ao aeroporto é longa, e o calor está, literalmente, matador. O clima nas ruas é de guerra, e preciso partir antes que todos tenham a mesma idéia: conseguir na brutalidade uma passagem para a Dinamarca, Suécia ou qualquer lugar onde eu consiga sobreviver, diferente dos 87º do Rio de Janeiro - pois a inflação desses bilhetes, devido à lógica do livre mercado, fez atingir valores que apenas quem já roubou mais do que pode gastar em vida tem a chance de comprar. E sim, onde eu possa refrescar meu saco. Tudo gira em torno da região pélvica depois de certa idade.
Abro a porta. Minhas narinas queimam por dentro, preciso me acostumar. É hora de sair. Espero que volte a escrever no espaço para o Dia 2.