domingo, 26 de novembro de 2017

Mistérios cotidianos

Merda, merda, merda. Onde está o pacote de morangos que deixei no congelador? Não entendo como posso perder algo em um espaço tão pequeno, mas ok. Tem muita coisa. Moela de frango, sorvete, açaí, salsinha congelada... alho poró? Tenho que usar isso logo... Se bem que congelado é eterno.
Para facilitar meu trabalho, tiro alguns itens e os coloco sobre a pia. Tenho nervoso de deixar congelador aberto, sempre me disseram que puxa muita luz, e atualmente tenho mais medo de conta alta do que de bala perdida (e olha que moro no Rio de Janeiro).
Achei o potinho. Tem seis morangos, dá pra fazer uma vitamina.
Só preciso de uma explicação: como é que antes de eu tirar o pote de morango, tudo cabia no congelador, e agora tenho esse pacote de moela de frango que não tem, de jeito nenhum, como entrar novamente?
Mistérios do cotidiano. Além da vitamina de morango, terei que fazer moela de frango.
Bom dia.

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Memórias

Tô no 624. Um casal de coroas senta atrás de mim. Tô lendo O Beijo da Mulher-Aranha, mas a mulher fala alto, tá me atrapalhando. A conversa deles fica mais forte que o livro, e o fecho por um tempo. Papos de velho rolando, aquelas coisas sem grandeza, comentários simples, combinando até com o trânsito lento da Intendente Magalhães... Eis que a coroa, toda sapeca:
- Já estivemos aqui. Lembra?
O velho coça a cabeça, olha pra direita (eu não vi, já que estavam atrás de mim, mas imagino que foi assim). Franze a sobrancelha numa quase negativa.
- Olha pro outro lado... - diz a velha, calmamente.
O cara olha. Tem uns carros e três motéis, em seqüência. Eu já saquei, mas o velho não.
- Você estudou numa escola aqui?
Quase me viro e faço uns gestos tipo o Jim Carrey no O Mentiroso, mas seguro e confio. A coroa dá mais dica, e fala numa voz insinuante:
- Nós almoçamos em um restaurante aqui perto, um dia... Lembra?
- Restaurante??
Cara, alguém taca óleo na memória desse cara... Tá foda.
O coroa tava pensando ainda em restaurante quando, penso (e visualizo mentalmente), a coroa arqueia as sobrancelhas, fecha bem a boca e arregala os olhos, quase apontando com a cabeça para os motéis que passaram à sua esquerda. Aí o coroa captou.
- Aaaaaaahhhhhhhn... HEHEHE
E deve ter coçado o bigode, confiante; o mesmo bigode que, sabe-se lá há quanto tempo, guardou resquícios de odores selvagens. E sorri.
Ela agarra o braço dele e bota a cabeça em seu ombro, enquanto ele continua com seu sorrisão, com o olhar perdido naquele tempo que passou.