domingo, 27 de dezembro de 2015

A cruz

Giovanna, na passagem do dia 24 pra 25 de dezembro, natal, arrumou uma mesa e falou para rezarem pra papai do céu. Essas coisas não me comovem, ela nem me chamou e fiquei de boas no sofá. Depois disso, ela pegou água e começou a fazer uma "cruz de Jesus" nas pessoas: molhava a mão e fazia uma cruz na testa das pessoas com o dedo molhado, e falava "cruz de Jesus". Chegou na sala, fez "cruz de Jesus" na Joyce. Chegou em mim: "titio, vem aqui"; olhei pra ela, ela já veio com a mão molhada pra cima de mim, aí pra não criar climão, já que meu avô tava do meu lado, abaixei a cabeça pra chegar perto dela. Ela fez a cruz na minha cabeça: "cruz do Mal pra você, titio!"
Eu, obviamente, ri pra caralho, ela continuou, fez uma "cruz do bem" no meu avô, virou pra mim e falou: "Ué, você não gosta de Jesus, cruz do mal pra você, ué..."
 O maneiro é que o "do Mal" é sem preconceito, aceitando o fato de eu não gostar.
Minha sobrinha é foda!

8:49

Foi apenas um minuto. Mas, sem querer ser clichê, sendo: pareceu uma eternidade. Rio de Janeiro, zona norte, subúrbio, braz de pina, um quartinho onde o sol faz questão de bater todas as manhãs, sem folga, na parede, tornando-a uma frigideira em potencial. Eram 8:49, horário para qualquer ser normal estar dormindo, e era o que fazia nosso amigo F., mesmo com um calor escroto, combatido apenas com um ventilador. Ao menos o mantinha vivo. Mas, como eu disse, eram 8:49, e ninguém saberia que eram 8:49 se todos continuassem dormindo; viraria 8:50, 9:00, e foda-se, vários minutos que nunca tive consciência da existência em minha vida; mas esse minuto, não; esse marcou.
Às 8:49 faltou luz. O ventilador parou. A respiração veio com dificuldade, parecia estar em uma fornalha. Nosso amigo F. pegou instintivamente o celular (porque, né, vai que tem o aplicativo daquela porra começar a girar e virar um ventilador) e foi aí que ele viu a maldita hora: 8:49. Praguejou e percebeu que havia faltado luz. Tentou virar pra cima, pra ver se deixava de derreter na cama; não adiantava. E então, uns vinte segundos após o ventilador parar, deu um estalo que trouxe a expressão do desespero para aquele recém-acordado (e então totalmente lerdo devido ao sono e ao calor) F.. Apenas agora ele percebia o horror daquela falta de luz: o ventilador parar apenas o faria levantar mais cedo, ficar de mau humor, mas mau humor era seu sobrenome mesmo, então nada que ficar na sombra tentando achar onde o vento bate mais não resolvesse. Mas tinha algo que parecia perdido, e o desespero aumentava, o que parecia aumentar-lhe o calor também; seu corpo parecia que iria explodir.
Então, lembrou-se da solução - ele estava lerdo, tinha acabado de acordar, relevem... - e a decisão estava em suas mãos: usar ou não usar o trunfo? Pensou um pouco e viu: dessa vez era necessário. Já usara tantas vezes por motivos menos nobres, porque regularia agora?
Pegou o celular. Ele já marcava 8:50. Foi em Ajustes; Celular. Olhou para o botão que conectaria o 3G; aguardou por um milagre. Fechou os olhos e direcionou o dedo para conectar. Ia pagar os R$ 0,99 que a Claro cobrava por aquela internet de merda. Decidiu-se, é emergência. E... Vruuuuuu... O ventilador voltou! A luz voltou! O dedo quase conectando voltou! O wi-fi voltou!!!
Pronto, agora ele poderia reclamar no facebook da falta de luz, do calor, do plano da Light de matar os cariocas, em complô com a CEDAE, fazendo faltar água num dia, luz no outro. Enfim. Foda-se o calor. O negócio é poder reclamar no Facebook!!

domingo, 20 de dezembro de 2015

Calor

Calor de assar rola na buceta.
Calor de suar o saco.
Calor de suar embaixo do peito.
Calor de deixar cueca com cheiro de cu.
Calor de melar peido.
Simplesmente, calor.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Meu saco não tem dentes...

Eu sou gordinho. Biotipo mesmo, nasci pra ser assim. Mentira, é porque além de gordo, sou preguiçoso. Não sei se sou preguiçoso porque sou gordinho, ou gordinho porque sou preguiçoso. Tipo Tostines. Enfim, o negócio é que se tem que fazer esforço físico para manter um corpitcho maneiro, valeu: prefiro suar fritando bacon num calor de 40º do Rio de Janeiro, bebendo um refrigerante para amenizar o calor. Tudo errado, nada saudável, vou morrer cedo por conta disso: eu sei! Mas foi a minha escolha, me maltratar e matar outros animais para me alimentar.
E ao mesmo tempo, DETESTO comprar roupas. Não o fato de pagar por roupas, o que também, confesso, me incomoda. Sou gordinho e pão-duro. Minhas roupas, se possível, uso depois de 20 anos; de preferência, roupas que ganhei. Mas estou falando sobretudo de camisas. Camisa é de boa. Compra uma G pra mim, que foda-se, eu uso. Quando eu era mais magro, as pessoas compravam P, M ou G, tudo cabia. Hoje em dia, as pessoas percebem que o P não rola, o M deixa aquele peitinho de pombo (mas se me derem, foda-se, uso), e o G fica maneiro. Camisa é mole. O foda é calça!
Ah, voltando ao assunto, DETESTO comprar roupas. E o pior é que existe um ritual nessa merda de comprar roupas, que é o escolher e o experimentar. BUCETA. Me manda fazer flexões no chão, no sol, mas não me manda provar roupas, cara. Muito menos calças! Tem muita coisa odiosa por trás de comprar calças hoje em dia. Inventaram mil tipos de calças: skinny, thin, e sei lá, outras que nem sei, e acho que sumiram com as normais. Eu só queria calças normais, que eu olhasse, soubesse meu número, e no máximo levasse pra experimentar o meu número e o número acima (porque, né, vai que esse bacon com refrigerante me engordou...), e pronto. Saía feliz e comprava a merda da calça. Feliz é o caralho, que eu não fico feliz comprando roupa. Mas porra, agora eu tenho que escolher o tipo, ver qual se aproxima mais da normal, uma aporrinhação a mais. Depois, entra no provador; tira o tênis; tira a roupa que tá; bota a calça; se ficar sobrando, põe o tênis pra ver como fica; tira o tênis se teve que colocar; tira a calça que experimentou; bota a outra calça pra experimentar se aquela não ficou legal; f(x) aquela porra toda aí se repete até você experimentar a última calça; tira a última calçå experimentada; bota a sua roupa; põe o tênis; sai puto da vida do provador; esgana o primeiro vendedor que te oferecer cartão da loja; paga a merda da calça; se mata.
Enfim, o foda é que eu queria ficar com as calças por 20 anos, como faço com as camisas, mas... lembrem-se do meu biotipo. Eu acho que as minhas pernas roçam demais entre si, não sei qual a safadeza delas, se buscam o orgasmo ou se fazem pra procriar, mas enfim... sempre embaixo do meu saco as calças rasgam. Parece que tenho dentes no saco.
Não tenho dentes no saco.
São minhas pernas gordinhas...


terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Sobre criança, consciência e mendigo

Giovanna passeando hoje comigo pelo Centro, viu um mendigo dormindo na rua, todo coberto.
- Ali, titio, essa pessoa mora na rua. Ela não tem casa!! E todo mundo passa, ninguém pega ela pra levar pra casa... Como é que pode, morar na rua, na rua, titio!
Eu, com a carcaça um pouco dura de ser uma dessas pessoas que não levam as que dormem na rua para casa, concordei, por ser um assunto que me dói...
- É, Giovanna... isso devia ser proibido, né, a pessoa não ter uma casa pra morar...
- Tadinhas delas, titio! Elas não tem casa pra morar! Imagina se fosse eu, morando NA RUA, sem nada pra comer, passando fome... Tadinhas delas, titio...
E eu percebendo que ela tem a mentalidade muito melhor do que muita gente adulta, me calei, simplesmente, perguntando qual exemplo eu poderia dar pra essa garota pra ela não perder esse senso de humanidade. Ela se coloca na pele das pessoas, ela tem a capacidade de saber que é errado porque ela não deseja isso pra ela, ela não vê como monstros por estarem com roupas maltrapilhas, o que é um ótimo começo. Mas ela cortou meus pensamentos, quase com uma resposta:
- Titio, um dia quero ajudar essas pessoas, vamos?
Eu chorei (veio a lágrima, não pisquei o olho pra não escorrer, e deixei o vento secar... mas eu sei que chorei...), e me sinto inútil. Fora comprar salgados para muleques que pedem quando estou em lanchonetes, ou preparar marmitas quando pedem em casa, nunca soube direito como ajudar as pessoas, e hoje simplesmente fui forçado a ver o como estou com essa camada fria de quem vê vários mendigos no centro e acabou se acostumando. E entro em parafuso, sem mensagem bonita, eu não ajudei ninguém hoje na frente dela. Preciso fazer algo para que essa vontade dela nunca morra. Pessoas morando na rua não deveria ser algo normal. Subvida não deveria ser algo normal. Eu vou dormir com esse peso hoje...

sábado, 5 de dezembro de 2015

Ceia de Natal


Noite de 24 de dezembro. Mesa farta. Jorge conversa com Noeli, sua sogra. Guilherme, filho de Jorge e neto de Noeli, brinca com Renato, seu primo, e conseqüentemente, sobrinho de Jorge e neto de Noeli. Os primos param perto da mesa e roubam pedaços de tender fatiado, colocando rapidamente na boca, para ninguém ver. Renato, o mais novo, cospe um belo pedaço mastigado no chão, e começa a sentir ânsia de vômito, o que chama a atenção dos presentes. Jorge interrompe sua conversa para dar a bronca:
- É, seu merdinha, quis roubar, agora come!! Tá vendo, olha a criação que o babaca do Pedro dá pro filho dele...
Dona Noêmia, mãe de Jorge e de Pedro, defende:
- Você já olhou o Guilherme? Tá com a boca cheia... problema de criação também?
Jorge vira as costas para a mãe e vai pegar mais uma cerveja. Elisa, mãe de Renato, finge que não ouve a provocação do cunhado e vai limpar as mãos do filho com um guardanapo.
*
Beto revira os poucos sacos de lixo que encontra nas ruas, vazias pela festa e pela chuva rala que caía. Prometeu à família que levaria comida para casa. Graça, sua esposa, aguardava com Letícia, a filha do casal, de 4 anos, famintas, quase dois dias sem comer uma refeição digna (que ao menos viesse em um recipiente).
Homem correto e tímido, Beto não tinha a desenvoltura para pedir comida nas casas, mesmo sabendo que estranhamente, nessa época do ano, as pessoas tendem a ser mais benevolentes. Acredita que o tal espírito natalino realmente pudesse o ajudar, mas não gostava de ser o “pedinte”; preferia procurar comida e contar com a sorte de alguém o ver nessas condições e oferecer algo.
Graça e Letícia tentam aquecer-se cobrindo-se com trapos de pano dentro de casa, um barraco simplório, que ao menos lhes servia para proteger da chuva.
A sorte não estava ao lado de Beto.
*
Pedro está quase gozando, enquanto Angélica cavalga em cima dele.
- É esse peru de natal que você quer, né? Eu fico feliz de comer galinha hoje!
Ela diminui os movimentos e abaixa para beijá-lo. Com um sorriso de canto de boca Pedro cola a boca no pescoço de Angélica, que por um segundo parece gostar, mas em seguida dá um tapa no rosto dele e levanta o torso, aumentando o nível das sentadas.
- Ô filho da puta, quer me marcar hoje, tá maluco?
Pedro ri, com as mãos firmes nas ancas de Angélica.
- Tá na hora de cair de boca no espumante...
Pedro tira o corpo de Angélica de cima do seu e se levanta. Angélica parece incomodada e caminha para longe dele:
- Que broxante, goza na mão, goza no chão, mas eu que não vou engolir porra de quem fica fazendo essas piadas de Ary Toledo.
Angélica sai correndo e se tranca no banheiro, virando apenas para ver a cara de desespero de Pedro, com o pau na mão.
*
Guilherme e Renato estão sentados na sala, de castigo. O avô Fausto assiste ao jornal na TV. As crianças tentam roubar o controle remoto do avô, que reclama:
- Calma, jovem. Depois do jornal eu dou esta merda pra vocês, só não quero que me encham o saco enquanto eu estiver... aí, já tá acabando. Tá aqui, ó, pega... Filho, que horas que a gente vai comer?
- Só estamos esperando o Pedro e a Angélica, pai. A Angélica ia passar na casa da prima antes, e o Pedro, só Deus sabe... tem que ver se não foi preso por aí... – Jorge respondeu, já pegando o celular para ligar para Angélica.
Dona Noêmia rebateu:
- Mas só fala merda esse garoto. Jorge, para de pinima com seu irmão...
Jorge não conseguiu falar com Angélica, pois o celular estava desligado ou fora da área...
- Mãe, vou dar um pulo ali para pegar a Angélica.
Jorge saiu após fazer o anúncio.
*
Beto estava cansado e com fome. Fome daquelas que você não sabe o que é, já que para dar para Graça e Letícia, acabou comendo quase nada nos dois últimos dias. Já estava ficando um pouco tonto, e resolveu tocar a campainha de uma casa, aceitando a derrota.
Tocou a campainha. Pelo portão vazado, dava para ver luzes na casa, dava para ouvir o som. Percebeu também quando, ao tocar pela segunda vez a campainha, as pessoas pareceram falar mais baixo, algumas luzes se apagaram, uma fresta da janela se abriu e cabeças apareceram empilhadas, uma em cima da outra, parecendo querer olhar quem tocava a campainha; percebeu quando mais luzes se apagaram, e até o som foi desligado enquanto ele ainda estava parado em frente ao portão. Percebeu que não era bem-vindo ali, que não queriam ninguém pedindo algo. Decidiu voltar aos sacos de lixo.
*

Pedro está dirigindo e olha descaradamente para as pernas de Angélica, que está usando um vestido curtíssimo que do modo como está sentada, deixa aparecer a calcinha de renda vermelha (e os pelos pubianos ruivos que escapam pela renda).
-Para de me olhar com essa cara de tarado...
Pedro sorri e bota a mão direita no meio das pernas de Angélica, pressionando com o dedo médio o centro da calcinha. Angélica faz uma cara de prazer, e Pedro se divide entre dirigir e movimentar o dedo. Angélica abre um pouco mais as pernas e Pedro com um movimento digital enrola a calcinha no dedo médio e tenta puxar a calcinha de Angélica.
- Para, Pedro, olha a palhaçada... A gente já está chegando.
- Hum, é só chegar na ceia de Natal que você vira santinha, é?
Pedro faz mais força para puxar a calcinha, ao mesmo tempo que vai parando o carro em frente ao portão da casa de sua mãe. Angélica fecha as pernas e segura o braço direito de Pedro com uma das mãos. Com a outra, ela abre a porta.
- Parou a brincadeira. Já fez o que queria, não é?
Pedro sorri, olhando fixamente para o meio das pernas de Angélica, onde ainda trava uma luta para tirar a calcinha dela. Ouve um som de Angélica batendo a cabeça, provavelmente na saída do carro, o que a faz abrir subitamente as pernas e desmontar como que desmaiada para fora do carro, e no que tenta acompanhar a queda da amante, percebe um par de pernas do lado de fora do carro.
- Que isso, a brincadeira está só começando, seu filho da puta!
E com um cabo de enxada, Jorge acerta o meio da testa do irmão, que desmaia no carro.
*
Beto desistiu de pedir, desistiu de catar lixo (provavelmente, só amanhã as sobras das ceias estarão à disposição dele e dos urubus), e estava voltando para casa. No entanto, o espírito natalino tem dessas coisas, ao passar por uma rua escura, enxergou um ponto iluminado, onde um saco preto refletia uma luz acobreada, uma mistura de cores que ficou realmente lindo, e o vento que batia no saco, fazia-o tremular, e a luz movia-se, em um movimento belo que enchia os olhos de Beto de emoção.
Ele decidiu que esse seria o último saco a ser visto. Sim, tinha esperança, talvez ele pudesse levar algo para comerem em casa, mesmo que fosse pouco. Aproximou-se do saco de lixo, abriu-o lentamente, e percebeu que era pesado. Ao abrir por completo e trazer o interior do saco à luz alaranjada, percebeu que havia fartura: carne, diversos pedaços! Beto chorou. Cheirou para ver se estava muito podre, embora soubesse que mesmo podre, serviria para ao menos matar a fome de Graça e Letícia, e dele também. Pois nem podre estava, podia sentir o cheiro: fresquinha! As lágrimas escorriam por seu rosto, ele não conseguia conter-se: certamente um presente do céu! Agradecia mentalmente, não sabia se ao espírito de natal, ao açougueiro que havia colocado aquilo ali, ou à entidade a quem era enviado o despacho: agradecia a todos! Fechou a sacola e partiu para casa, agora revigorado, feliz, forte. Nada mais o incomodava.
Beto conseguiu a ceia de Natal da família!
*
Dona Noêmia, Fausto, Noeli, Guilherme, Renato e Elisa continuam esperando Pedro, o marido de Elisa, e Angélica, a esposa de Jorge. E Jorge está lavando uma enxada, sem pressa alguma.