quarta-feira, 10 de julho de 2013

Pesca Esportiva

- A melhor sensação na vida é você puxar algo que vai contra a correnteza! Não… na verdade, a melhor sensação na vida é você conseguir puxar algo que estava contra a correnteza, e fazer vir pra sua mão. 
Richard apenas olhava, com um sorriso no rosto, Pedro, o relativamente jovem rapaz, com seus 30 e poucos anos, tentando explicar-lhe o prazer da pesca esportiva.
- O Poder consiste nisso! Mostrar que perante sua força não existe resistência eficaz!
Essa idade era propícia para que jovens ricos achassem que, por terem uma riqueza qualquer, eram Deus, e que todas as criaturas foram feitas para servir apenas a eles. Richard, do alto de seus 60 anos, não sabia se era hora para acabar com sua felicidade e fazê-lo voltar ao mundo dos mortais (e ao dos insignificantes, para ser mais sincero), o que sua experiência já o tinha ensinado mesmo nunca antes tendo tentado ser Deus. Resolveu falar.
- Mas é só um peixe… e você está com um belo equipamento, usa até luvas! Isso é poder ou é covardia?
Deu uma risada amena para não parecer ofensivo.
- Não… eu… a vara poderia até…
- Calma, estou apenas brincando - Richard deu uns tapinhas nas costas do jovem. Eu entendo a emoção que a pesca esportiva traz.
O jovem olha para ele, ainda desconfiado, esperando outra piada maldosa do coroa, mas ficou só na expectativa. Richard realmente parecia estar falando com um prazer de quem já experimentou muito daquela sensação a qual falava, segundos atrás.
- Eu já pesquei muito quando era jovem, quando tinha sua idade. Mas pescava e levava para casa, comia. Cada peixe era um troféu, uma cicatriz curada de uma noite passada ao relento, em barcos, com bebidas e uns bons amigos - continuou Richard.
O jovem alternava o olhar entre a bóia de sua linha e o rosto de Richard.
- Bom, eu sou contra matar peixes, afinal, já existe uma indústria pesqueira para isso. Eu estou aqui pescando pela luta, uma boa briga que me leve a disputar com o peixe, despertando meu instinto animal.
- E no final, mostrar a ele quem é Deus, certo? - disse Richard, totalmente sério, mas com um tom irônico que poucos entendem.
- É… pode-se dizer que sim. Eu gosto de pegar o peixe nas mãos, olhar para os olhos dele e… eu gosto que ele sinta que eu posso matá-lo… Que eu posso deixá-lo agonizar até morrer… Que eu posso parti-lo ao meio e comer suas entranhas, porque eu fui o vencedor!!! E depois de ele saber a merdinha que é, gosto de soltá-lo, como prova de minha superioridade… Hehe, é… pode-se dizer que eu gosto de mostrar a ele que eu sou Deus!
Richard sorriu e abaixou a cabeça.
- Como eu lhe disse, sei bem o que é isso. Eu gosto de dar voltas na beira da praia, e quando vi um pescador aqui, decidi sentar ao lado e puxar assunto, porque queria relembrar um pouco dos meus tempos de pescas, quando eu saía para aventuras em alto-mar… mas minha idade fragilizou meu corpo, e não agüento mais passar horas no mar, nem mesmo assim, em terra; por outro lado, minha idade permitiu-me acumular muito dinheiro, e para matar a vontade de pescar, tenho um tanque gigante disponível para eu pescar a hora que eu quiser.
Foi a vez de o jovem rir.
- Hahaha. Você pesca em um tanque? Mas isso não é pesca! Criar alguns peixes para ficar pescando em um espaço tão limitado não tem a menor graça! Você sabe onde encontrar o peixe. Depois de um tempo, e de já ter pescado todos os peixes, não enfrenta nenhuma briga surpreendente com outro peixe. Bom, se pra você, isso substitui um dia de pesca, eu realmente tenho pena do que a idade te fez.
- Você não sabe a extensão do tanque, meu jovem… E nem as espécies que tenho no tanque. Pode falar que é cômodo! Mas sem emoção, jamais!!
- Bom, acho que a mim, não demora mais que dez minutos para entediar totalmente, periga até eu dormir!
- Bom, faço-lhe um convite: se quiser pescar no meu tanque, basta ligar para mim e marcar um dia bom para os dois. E com a vantagem de que nem precisa estar sol: o tanque é em um ambiente fechado!
- Hahaha olha, acho que aceito o convite só por ser algo inusitado. Uma pesca, em um tanque, em um ambiente fechado, para me matar de emoções? Só se for de pena!
A bóia da linha do rapaz afunda ligeiramente.
- Aqui, ó! Hmmmf… isso… que é… pesca!
O rapaz fazia força para travar o molinete e puxar a vara. Deixava o peixe levar linha e repetia o mesmo movimento. O velho apenas observava, com um sorriso no canto da boca e um brilho nos olhos. 
- Força, ou o peixe ateu ganhará de Deus! - pilhava Richard, enquanto o jovem fazia força sem perder a pose, ou mesmo desmanchar o penteado.
Após uns 3 minutos, Pedro içava a barco um pequeno peixe, pesando pouco mais de 3 quilos. Visivelmente desapontado, o jovem tentava passar-se por satisfeito, mas parecia um amante ao broxar, triste com o pequeno tamanho do peixe. 
O velho Richard observava o jovem segurando o peixe, fitando-o no olho, demonstrando sua teoria de que passa ao peixe a idéia de ser Deus. E pouco depois, soltou o peixe de volta ao mar. O jovem voltou-se para Richard, que o olhava com um sorriso cínico.
- Pelo menos ele não pagou pelo piercing, como você. E garanto que será mais emocionante no meu tanque!
Ao dizer isso, Richard entregou um papel a Pedro, que guardou no bolso e voltou a preparar o anzol para jogar.
- Apareça! - disse Richard, preparando-se para sair.
Richard lentamente vai saindo, para voltar ao conforto de seu lar.
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Priscila e Pedro se agarram em meio a colchas e cobertores, totalmente nus. O barulho de carro chegando alerta Pedro da chegada de sua irmã.
- Puta que pariu. Aquela mala chegou… Vai, vai… se veste!! Se ela descobrir que eu tô usando o quarto dela… vamo, vamo!
Priscila começa a correr atrás das roupas espalhadas no quarto. Priscila bota a blusa sem colocar o sutiã, para ganhar tempo, e enfia o sutiã dentro da bolsa. Enquanto ela corria para achar a calcinha, e já tentava se enfiar na calça apertada, Pedro calmamente pegava a calça do chão para colocar. Ao pegar a calça, cai um cartão no chão. Priscila parou imediatamente a busca pela calcinha e atentou para o cartão na mão de Pedro.
- Ei! Que cartão é esse? É alguma vagabunda, é?
Pedro sorri, calmamente.
- Você já está vestida, por acaso? Estava correndo o quarto igual uma maluca, e parou por causa de um cartão? Isso é que é ter o dom de fofocar!
Priscila arranca o cartão da mão de Pedro com uma mão e com a outra segura o pau dele, como que protegendo sua propriedade enquanto lia o cartão e decidia se liberava o prisioneiro ou não.
- Richard Altoffen? Que porra é essa??
- É um coroa, pescador, que me convidou pra ir pescar num tanque que ele tem em casa. Aliás, bom programa pra hoje… acho que vou ligar pra ele.
- Hm… ok, tá liberado.
Priscila abaixou e botou o prisioneiro inteiro na boca após tirar a mão.
- Mas tô demarcando território… nunca se sabe quais as intenções do tal coroa…
Agora deixa eu achar minha calcinha!!!
Pedro veste a calça, sem cueca, mas fica com o pau pra fora, sem fechar o zíper. Deixa Priscila procurar um pouco a calcinha, e quando ela vira de costas para ele, coloca a calcinha pendurada no pau.
- Por acaso alguma piranha perdeu isso aqui - diz, cínico, apontado para o pau.
- Ai, idiota!
Priscila corre para pegar a calcinha, mas Pedro vira de lado e segura as mãos ávidas da garota.
- Não… com a boca!!
- Pedro, sua irmã!!!
- Vai, se meter a boca e não ficar de papinho dá tempo, vai…
Priscila dá uma engolida e força a cabeça umas 3 vezes, bem rápido, e depois pega a calcinha e enfia no bolso. Pedro ri, bota pra dentro e fecha o zíper. Os dois saem do quarto, pegam as bolsas e saem.
- Pedro, vai botar uma cueca… se encontrar com um coroa, de calça, de pau duro e sem cueca é bem estranho, hein.
Pedro ri e concorda.
- E nem quero que usem minha minhoca em anzol nenhum… Agora vambora antes que ela note que houve bagunça no quarto...
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Pedro deixa Priscila em casa e liga para o telefone do cartão. A voz que o atende parece um pouco cansada, mas anima-se assim que Pedro diz quem é, e fala da pesca. Confirma que está indo para a casa de Richard e começa o caminho, achando que a pesca seria sem graça mas daria uma diversão para o coroa. Em parte estava certo.
Ao chegar no endereço, Pedro depara-se com uma mansão, com um enorme portão de grades na entrada. Liga novamente para Richard, para avisar que chegou. Antes de a ligação completar, o portão abre-se e Pedro desliga o telefone e entra com o carro. Avista, de longe, uma silhueta parada na porta da mansão, e estaciona o carro próximo, já conseguindo identificar que a silhueta é de Richard.
- Não resistiu à curiosidade da "pesca indoor", jovem? - divertiu-se Richard, enquanto Pedro caminhava em sua direção.
- É… pode-se dizer que quero ao menos ter experimentado essa novidade.
- Vamos, entre!
Pedro entra e espanta-se. A casa era bonita por fora, mas por dentro, era mais ainda! O velho parecia ser meio louco, então, preparou-se para aquele show de aberrações que as casas dos velhos que se acham têm: estátuas escrotas, quadros ridículos que servem apenas para mostrar que se aprecia alguma arte (mesmo que seja uma tela com merda e papel higiênico, mas que tenha lhe custado milhares ou milhões…), essas merdas. Mas não. O filho da puta tinha um mau gosto do caralho, no bom sentido!!! Espalhados pelo salão de entrada, personagens de cinema fantástico enfeitavam o local. Uma estátua da Lua atingida por um foguete, uma maquete do hotel de Norman Bates, uma estátua de uns dois metros de altura do Homem de Palha… e tinha até uma brincadeira interfilmes, no canto esquerdo da sala, um Jason segurava uma navalha que estava no meio do corte de um olho de um busto (em preto e branco) de uma mulher. Enfim, nada de artistas de merda, nem pop art de merda. Só uma arte pop.
Richard percebeu o encantamento de Pedro.
- Vamos, porque essas estátuas não mordem iscas! Haha
Pedro percebeu que tinha ficado abobado, e ficou meio sem-graça.
- É. Acho até que aqui deve ser mais emocionante que a tal pesca…
Pedro sorri, meio debochado.
- Se você não achar emocionante, pode pegar qualquer uma dessas estátuas! Garanto que vai ter muita adrenalina descarregada na hora da pesca!
Ao falar isso, Richard riu muito alto, bem diferente do jeito contido que aparentava. Pedro estranhou, mas não deu muita idéia. Afinal, a velhice é foda. Faz você rir de coisas que não fazem sentido…
Ao chegar em frente a uma porta gigante, Richard indicou:
- É aqui, meu tanque. Está preparado?
- Bom, se tudo mantiver as proporções, como essa porta, o tanque deve ser realmente grande…
Richard abriu a porta e o que Pedro viu não parecia possível. Era algo fora das dimensões imagináveis para um tanque dentro de casa… parecia ser do tamanho de um campo de futebol. Não… talvez maior. Enfim, completamente surpreendido, não sei dizer muito bem o que ele pensou, pois não teve tanto tempo para pensar. No que ele olhou para o tanque, tentou chegar mais perto para tocar na água, para cair a ficha de que aquilo era real. Ao chegar mais próximo da água, Pedro estranhou… os peixes pareciam ser muito grandes… seriam tubarões, e por isso a adrenalina que Richard falou? Chegou um pouco mais próximo para identificar os bichos que nadavam ali e surpreendeu-se… pareciam…
Antes que Pedro pudesse concluir o que seus olhos viram, mas sua mente recusava-se a acreditar, dois homens (igualmente enormes, como a porta, como o tanque…) surgiram do nada - na verdade, estavam escondidos próximo à porta quando ele entrou, mas deslumbrado com o que via, passaram despercebidos - e o rodearam, e Pedro sentiu-se comprimido, sufocado. Os dois deram uma volta muito rápida em torno dele, e enquanto Pedro gritava, um o segurava, e o outro continuava a girar em torno dele, com um plástico muito resistente, visto que Pedro debatia-se mas não conseguia mais mover os braços nem as pernas. Ele havia sido embalado, como uma mala de viagem com aquela merda anti-furto que, se você quiser pagar uma fortuna no aeroporto, coloca. Pedro virou para Richard. Depois de gritar o usual quando se está desesperado e sendo agredido, embora ele não estivesse machucado, só preso, ele virou para Richard, tentando entender a situação.
- O que é isso? Ei, coroa, que porra é essa? Olha o que me fizeram.
Richard apenas deu um sorriso, mais com o nariz do que com a boca, como se estivesse fungando.
- Vamos ver quem é Deus agora.
E deu um chute nas costas de Pedro, que fez com que ele caísse na água. Ele afundou inicialmente, mas depois de alguns segundos se afogando, que para Pedro, pareceram uma eternidade, ele conseguiu achar um jeito de mexer seu corpo o suficiente para que ficasse constantemente na superfície, respirando, e mergulhando. Estava aturdido, e continuava olhando, e percebeu que realmente, eram homens que estavam naquela piscina. Enquanto olhava acima, abaixo, conseguia ouvir um som muito variante, pois seu ouvido ora estava mergulhado e ora fora d'água, a voz de Richard.
- Pois saiba como é ter a boca e o corpo estraçalhados apenas pela diversão de uma pessoa… é bom fazer com peixes, né? Pois bem… eu posso dizer que tenho certa afinidade com peixes. Nasci dia 6 de março! Hahahahahaha.
Pedro estava desesperado. Quanto tempo aguentaria debatendo-se, sem se afogar? Ele via corpos no fundo do tanque. Provavelmente pessoas que afundaram… após quanto tempo? Ele só pensava na finitude de sua vida agora. De repente, seus pensamentos foram interrompidos por um reflexo que lhe veio na visão. O reflexo vinha de baixo, do meio do tanque. E algo parecia vir com toda a velocidade em sua direção. Um anzol enorme entrou lancinante em seu nariz. Não, ele não identificou o anzol, apenas o lancinante. Então, começou a sentir uma pressão, como se o seu nariz fosse ser arrancado. Era Richard que puxava, em sua vara, o grande peixe Pedro. Ao chegar perto da beirada do tanque, quando Richard foi levantá-lo, quando seu corpo saiu mais de um terço para fora da água, o nariz arrebentou-se e o anzol veio com tudo para fora, deixando Pedro cair de volta à água, urrando de dor, fazendo bolhas de dor, na verdade, com sangue e pedacinhos de carne sujando o tanque.
- Eita, eita… caramba, Jorge, joga a rede e pega esse peixão aqui!! Tá sujando meu tanque!
O criado de Richard, um dos que embalaram Pedro, prontamente foi para a frente de uma máquina e mirou a rede na direção de Pedro, que afundava um pouco e depois subia, debatendo-se muito embaixo d'água.
Pedro foi içado e enquanto chorava - era choro misturado com água e sangue que escorria de seu rosto - Richard olhava para ele, rindo.
- Por que isso? Eu te fiz alguma coisa?
- Ué… pela emoção! Não é por isso que você pesca? Não é para comer, porque você pesca, solta… ah sim, melhor… tenho uma resposta melhor! É pela luta. Por uma boa briga. Lembra?
Pedro chora mais ainda.
- Tá, já me ensinou. Agora me deixa ir! Eu nunca mais vou pescar, prometo!
- Haha parece uma criança, ou um velho bêbado… "eu nunca mais vou fazer isso, mamãe…", "eu nunca mais vou beber"; não foi por isso que te trouxe aqui, meu caro. Eu quero que você saiba que eu sou Deus! Eu posso matar, eu posso deixar viver… mas eu sou um deus muito escroto. Um filho da puta! Eu não deixo viver. Você volta pro tanque e se debate até morrer. Vai ficar com fome, vai ficar fraquinho se não comer nada… e vai acabar afundando… Ou então vai ficar com fome, vai ver um pedaço de qualquer comida aqui, boiando, e vai ter um anzol preso embaixo… e vamos partir pra uma boa briga, né? Hahaha
Pedro baba sangue e lágrimas.
- Como você viu… não se preocupe. Não preciso de comida em anzol para pescar aqui. Eu jogo o anzol lá embaixo, e quando você passa por cima (você é força de expressão… tanto você quanto qualquer um desses babacas ainda vivos), eu puxo! E pronto! É diversão! Agora, pode me dizer: tem adrenalina ou não tem??
Pedro é jogado do lado de fora da piscina.
- Só preciso estancar teu sangue, antes que você me faça limpar todo esse tanque por causa dessa merda.
Richard começa a pegar uma maletinha ao lado dele, e pega o algodão, gaze, uns produtos para cicatrização. Pedro recupera o fôlego, prende o choro e fala.
- Cara… minha namorada viu o cartão… não tem problema. Você pode me matar… mas a polícia vai vir aqui, e você vai morrer, cara… alguém vai te matar.
Richard contempla o olhar vingativo de Pedro e sorri.
- Meu jovem, olhe esse tanque. Você viu minha casa. Não viu nem um quinto do meu terreno, imagino. Você acha que a polícia faz alguma coisa comigo? Com uma piscina  de três metros em cada casa, eu compro todas as delegacias do país…
Pedro fecha os olhos, imagina os policiais, felizes com suas famílias nas piscinas e chora novamente… e meio que ri, do quão feliz é o mundo.
E Richard continua tranqüilamente pegando o material para estancar o sangue de Pedro.

FIM.