terça-feira, 3 de janeiro de 2017

A minha Língua

Passei a língua no grelo
De tão quente, ela grelhou

Passei o gelo no grelo
O gelo ficou grelado
O grelo ficou gelado

E a língua ficou grata
Pela sensação de g(r)elo.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Dia 1 - sobrevivência

Rio de Janeiro. Dia 1. Não sei bem quando aconteceu. Como toda guerra, a hora exata do começo ou do fim são delimitadas apenas nos livros de histórias, após a guerra acabar, e por gente que não esteve  nas batalhas. Mas essa não terá ninguém para escrever sobre, é a luta final da humanidade, ao menos no hemisfério sul. Resolvi chamar esse 1 de janeiro de 2017 de Marco Zero da Verdadeira Grande Guerra. Espero que não se incomodem.
São 6:35 da manhã do dia 2 de janeiro. Chamo de Dia 1 porque sobrevivi ao Marco Zero. "Sobrevivi", eu quis dizer. Afinal de contas, não sou velho aposentado e nem criança remelenta para me dar ao luxo de acordar nesse horário sem precisar - pois apenas os desocupados acordam voluntariamente na hora em que os ocupados precisam acordar; embora me ache um desocupado funcionalmente falando, quis dizer socialmente. Talvez fosse melhor eu expressar-me dizendo que só os que não lambem uma buceta com vontade ou que não devoram um caralho com a voracidade de uma pessoa faminta - os velhos ou as crianças - acordam sem motivo a essas horas da madrugada, em condições normais. Mas a VGG (verdadeira Grande Guerra) não tem nada de normalidade.
Muitos sucumbiram antes do Dia 1 raiar. Tenho minhas dúvidas se eu não preferia ser um deles. O calor entra em minhas narinas e rasga-me por dentro; o ar sufoca, e não há poesia nisso, acredite. São agora 7:28, e tenho traçadas apenas algumas linhas. Deitado, com dois ventiladores em cima (ar condicionado foi extinto pelo governo , agora, apenas quem é do mesmo - governo, que fique claro- pode usar esse aparelho), mas a moleza no corpo não me deixava dormir ou escrever: o vento gerado apenas servia para espalhar as gotas de suor pelo corpo, como se os ventiladores brincassem de ping-pong orgânico, rastro de suor embaixo do peito, para a esquerda... Parei, entrei no banho, joguei-me nu e molhado, com os pêlos do saco e da barba pingando, em frente ao ventilador. Refrescante, porém temporário. O saco contrai-se e os ovos dançam, como se estivessem vivos; a superfície vai enrugando-se e ficando seca. As poucas gotas de água estão nas pontas dos pêlos já, a sensação térmica agradável some e é melhor começar o preparo psicológico para o dia que nasce. Por isso demorei quase uma hora para esse esboço de diário. "Por causa do balé de suas bolas?", você pensa; é, pelo balé das minhas bolas.
Olho o mapa. Piscinas a serem invadidas durante o percurso, mar aberto que serve de refúgio. Bolsa fechada a vácuo para que os mergulhos não enferrugem as armas: Ok! A caminhada rumo ao aeroporto é longa, e o calor está, literalmente, matador. O clima nas ruas é de guerra, e preciso partir antes que todos tenham a mesma idéia: conseguir na brutalidade uma passagem para a Dinamarca, Suécia ou qualquer lugar onde eu consiga sobreviver, diferente dos 87º do Rio de Janeiro - pois a inflação desses bilhetes, devido à lógica do livre mercado, fez atingir valores que apenas quem já roubou mais do que pode gastar em vida tem a chance de comprar. E sim, onde eu possa refrescar meu saco. Tudo gira em torno da região pélvica depois de certa idade.
Abro a porta. Minhas narinas queimam por dentro, preciso me acostumar. É hora de sair. Espero que volte a escrever no espaço para o Dia 2.