quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Maldita greed! Parte 2

Para quem acompanhou, ok. Caso esteja lendo pela primeira vez, leia incialmente a parte 1.

Pedro não continha sua felicidade, e contava os dias para O dia. Faltavam ainda duas semanas, e ele teria que viajar a São Paulo (por conta da rede televisiva). Já havia combinado: seu pai seria o responsável por ele - afinal, tinha apenas 11 anos, e não poderia viajar sozinho - e, ao mesmo tempo, seu parceiro no jogo. Mas a regra estava dita: caso ganhassem e tivessem direito a um minuto de compras, livre, Pedro seria o corredor. O pai até tentou argumentar, dizendo que por ser maior, seus passos eram maiores, e os braços poderiam alcançar mais produtos, mas vendo a violenta resposta do filho, desesperado por tentarem roubar dele o minuto de sua vida, o pai resolveu deixar prá lá; nem sabia se iam ganhar, afinal, para que criar caso - e no final das contas, achava bonito o filho ter essa ganância (veio a palavra que deveria ter vindo ontem!) de querer correr, literalmente, atrás de suas próprias coisas.
Pularei toda a dramaticidade da saída de casa, a despedida de seus parentes - porque sempre que alguém aparece na TV, seus parentes fazem questão de visitar a pessoa, não importando se ela apareceu dando uma entrevista sobre como descobriu a cura do câncer ou se foi na pegadinha do João Kleber -, a torcida por ele (embora na época não fizessem camisas com o rosto da pessoa; era uma época um pouco mais sensata), essas coisas menos importantes. Pedro ignorava todas essas falas, falava "obrigado", mas por dentro pensava "vai tomar no cu, não gosto de você!" Bom, o importante é que ele chegou em São Paulo com o pai, ficaram em um hotel - e ele sentia-se um homem, já que o pai estava lá por causa dele! Ele estava no comando! O programa disponibilizou uma merreca para ele gastar enquanto estivesse no hotel com o pai (os dois ficaram por dois dias lá, e a merreca rendeu, pois Pedro recusava-se a gastar, sabendo que poderia pegar tudo de graça no seu minuto de glória).

O grande dia havia chegado. Pedro passou boa parte da noite anterior em claro, e antes disso, conversou bastante com o pai, deu conselhos, passou a ele toda a sua estratégia já traçada para ganhar o programa - e como telespectador assíduo, sabia realmente alguns truques. Estava preparadíssimo, e foi ganhando, na parte do quiz, muitos pontos e, justiça seja feita, seu pai, um sujeito que sabia muitas curiosidades dos mais diversos temas, o ajudou bastante nessa parte.
Na metade do programa, já estava claro: Pedro e o pai ganhariam, certamente, mesmo que fossem muito mal daquela parte em diante. Pedro seguia concentrado, sem contar vantagem; ficaria feliz apenas na hora em que fosse anunciada sua vitória. E com pontuação de 4.800 para Pedro e o pai, 2.100 para a dupla que estava mais próxima, dali para frente, toda pergunta era decisiva: mais uma resposta certa de Pedro e ele ganhava seu minuto! E o apresentador fez uma pergunta de desenho, tema que Pedro, por ser criança, levava uma vantagem tremenda. Pela primeira vez, ele deu um sorriso confiante, como quem sabe que a vitória é sua; deixou a autoconfiança dominar seu corpo, e ouviu a pergunta:
- Que animal é o personagem "Leôncio", da turma do Pica-Pau?
Pedro pensou rapidamente, e nem olhou para o pai, para perguntar. Deixou um pouco a pressa de lado, imaginando que os competidores não faziam ideia de quem era Pica-Pau, sequer Leôncio. A luz vermelha, indicando que já podia bater no botão, para ganhar o direito da resposta, acendeu e Pedro foi calmamente bater para responder. Bateu, mas sentiu como se tivesse ouvido o barulho da sirene milissegundos antes de realmente bater. E no que foi responder, ouviu o apresentador:
- Pode responder, Paula!
Paula??? Sim, Pedro perdera a chance de acabar com aquele jogo naquela pergunta, a qual ele sabia a resposta ("leão-marinho, é óbvio!"), e Paula, infelizmente também sabia. Mas agora, a dupla de Paula contava com apenas 2.200 pontos, e Pedro pensou alto (o pai chegou a ouvir, inclusive):
- Agora acabou a brincadeira, vou jogar sério agora!
A próxima pergunta começou e Pedro desanimou na mesma hora.
- Qual o nome do autor do livro 1984?
Embora gostasse de ler, não sabia nomes de autor algum! Alguns livros ele sequer lembrava o nome... Mas o pai deu dois toques no ombro de Pedro, e isso o fez sorrir, para logo depois conter o sorriso - pois viu que a confiança excessiva o levou a um relaxamento que poderia tirar o seu precioso minuto, o que o faria perder, psicologicamente, mais de dois anos de vida - , pois sabia que esse era o código para seu pai dizer que sabia uma resposta.
Pedro semicerrou os olhos, e era como se tivesse amarrado uma fita na cabeça, tipo o Rambo; ele colocou a mão direita atrás de sua orelha direita, e cheio de raiva e esperança, no que foi permitido bater no botão, foi com toda a fome do mundo! Ele bateu no botão, mas como estava com pressa, parece que bateu meio de lado, e não computou a batida dele. Quando ele percebeu que já havia um tempo da batida e nenhuma sirene soou, faltou um pouco de ar em sua garganta, e tentando desesperadamente bater no botão antes de outra dupla, ele bateu de novo, e de novo, e de novo, até que viu as luzes vermelhas rodando, e ainda assim não tinha a certeza que era a sua batida computada; sentia-se em um complô!
- Calma, calma, Pedrão! Já foi pra você, essa! - disse o apresentador, rindo, e quando Pedro olhou para os lados, nenhuma das outras duplas havia sequer levantado a mão. Como era bom viver em um país de burros, pensou Pedro. E ainda teve tempo de pensar que orgulhava-se de seu pai, e que gostaria de ser como ele no futuro.
Pedro agora olhou para o pai, trêmulo e quase chorando. Não sabia o porquê de estar quase chorando, mas percebeu que olhava para o pai com água nos olhos, esperançoso, e como um cão abandonado pede a um passante que realize seu sonho - no caso do cão, um lar com amor; no caso de Pedro, um minuto no supermercado.
- George Orwell - disse o pai, firme.
Ele passou a mão na cabeça de Pedro, e o apresentador nem havia dito ainda que essa resposta estava correta, mas ele sentiu a segurança do pai, e relaxou, e as lágrimas começaram a correr por seu rosto.
- Correto! Vocês despacharam as duas duplas com pouco mais da metade do programa! Então, ganharão um extra de um minuto na hora do supermercado! Ou seja, terão não um, mas DOIS MINUTOS para fazerem a compra. E podem decidir se haverá troca de participante, ou se apenas um vai fazer realmente...
A mesma segurança que o pai havia demonstrado com o passar de mãos na cabeça do filho, Pedro demonstrou ao olhar para o pai. O olhar dizia "deixa comigo!" E como haviam feito o trato já, o pai deixou tranqüilamente.
O momento havia chegado. Pedro estava tranqüilo e animadíssimo - tinha medo até que alguma merda fosse acontecer, pois sempre que se cria uma expectativa exacerbada sobre algo, tende a chegar logo depois uma decepção sem fim. O apresentador entregou a ele os aparatos (capacete, joelheira, ombreira), o carrinho de supermercados e explicou as regras: basicamente ele não poderia deixar cair mais do que 20 produtos no chão, ou a gincana terminaria, independente do tempo que faltasse ainda.
3, 2, 1, VAI!
Pedro correu com o carrinho, e estrategicamente a primeira fila que estava era a dos biscoitos e variados (cereais, chocolate, bombons, etc). Colocou muita coisa no carrinho, e partiu para a parte de bolos, onde pegou leite condensado, creme de leite, massa de bolo, leite em pó, coisas que sabia que sua mãe sempre reclamava de estarem caras. Partiu para a seção de queijos, e o carrinho não estava nem pela metade ainda: pegou os queijos mais caros (ele adorava queijo, e como todo bom gordinho - ou ex-gordinho -, ficava vendo preços no supermercado), e aqueles com as embalagens mais bonitas também. O apresentador anunciou bem alto que tinham passado 30 segundos. Ele pensou que ainda tinha tempo a beça, mas não parou de correr, pensando que quando o carrinho estivesse terminando, correria para a parte de eletrônicos e pegaria uma TV, um som, talvez um VHS, o que tivesse de bom lá (e equilibraria no topo do carrinho, já cheio de compras, ele imaginava). Passou pela parte de grãos, e como não era egoísta, gastou um tempo relativo pegando uns cinco sacos de arroz e uns outros tantos de feijão, lentilha, várias coisas que ele não identificava, mas imaginava fazer parte de uma alimentação básica. Logo em seguida vinha a parte de condimentos, e encheu um pouco mais de maionese, catchup, mostarda, molhos de salada, molho de pimenta (que ele achava ser, respectivamente, variantes de maionese e de catchup, afinal, não tinha tempo para ler os rótulos). O carrinho encontrava-se quase que completo, e ele viu um pouco mais à frente os refrigerantes: pegou umas seis garrafas de refrigerante, e gastou um tempo médio para acomodá-las no carrinho, para que não atrapalhassem os eletrônicos mais tarde, e pegou algumas dezenas de garrafinhas de suco, que ele tanto gostava. Quando partia para os eletrônicos, viu umas garrafas de vidro bonitas (de vinho), e embora nem soubessem do que se tratava, imaginou serem caras, e por isso, queria. Pegou.
O apresentador acabava de anunciar que restavam apenas 30 segundos agora ("um minuto e meio até que foi um tempo bacana" - pensou Pedro), e correu para pegar a TV, que ele via no final do corredor em que estava, à esquerda. Ao chegar lá, percebeu o peso da TV, e com certa dificuldade colocou-a em seu carrinho (seu mundo, no momento). Acomodou tão bem, para que pudesse correr três colunas adiante, onde estava o aparelho de som. Sabia que tinha no carrinho mais do que tudo que precisava, e ficando parado, teria certeza que nada cairia; mas ele queria mais! Ele queria aquilo tudo e mais o som! No que estava correndo, ouviu o pessoal falando "10, 9...", em contagem regressiva, e correu ainda mais, tomando cuidado para a TV, presa na parte em que se colocavam bebês nos carrinhos, não caísse. "6, 5..." ele percebeu que talvez não chegasse a tempo para pegar o som, mas estava tão perto... em três segundos poderia jogar de qualquer forma para dentro do carrinho que seria dele. Acelerou de forma sobrehumana (ainda mais para uma criança), e quando ouvia "3,2...", e percebia que ainda não chegara ao som, de repente não ouviu mais o um e o zero. Os corredores do supermercados, antes brancos e iluminados por lâmpadas frias, agora turvaram, e só conseguia enxergar os produtos levemente iluminados e, no lugar do piso claro, tudo agora era preto, e conseguia enxergar as colunas e fileiras demarcadas por luzes neon coloridas (vermelha, azul, amarela, diversas cores). Continuou correndo e resolveu que pegaria o som, e se não valesse, eles simplesmente não contariam aquilo. Foi adiante, pegou, e continou sem ouvir o zero, nem ninguém chamando ele. Pedro estranhou, mas decidiu que não fazia sentido ele ficar ali, parado. Continuou e pegou um VHS, e nada ainda de o chamarem (ele sequer conseguia enxergar alguém ali...); voltou para pegar mais leite condensado, mais biscoitos, e nada. Desconfiava que já estava há mais de 3 minutos naquilo, e começou a parar de correr, passou a andar. E realmente, não tinha mais ninguém ali. Nem o pai, nem o apresentador, nem as câmeras... pensou que talvez, no esforço final de tentar pegar o som, tivesse desmaiado, e aquilo fosse uma viagem enquanto ele estava deitado no chão, com o nariz sangrando. Passados uns dez minutos, desconfiou que não era.

Ficou com fome. Comeu biscoitos. Deitou, gritou pelas pessoas; ninguém respondeu. Dormiu, acordou com fome, comeu queijo, bebeu refrigerante, tomou sorvete, comeu torta congelada. Começou a perceber que a vida lá seria muito mais interessante do que na sua casa: ele tinha tudo o que queria lá! E assim passou alguns dias. Ou horas? Ou meses? Ele nem ligava para os relógios que tinham lá, nem era neurótico de controlar o tempo... E as TVs, obviamente, pegavam apenas um canal: o "guerra de mosquitos", deixando-o sem noção temporal; só serviam mesmo para jogar videogame e ver os filmes em VHS, e felizmente, havia um catálogo legal naquele lugar. Passado muito tempo (não contabilizado por Pedro), ele começou a perceber que, embora tivesse tudo o que quisesse de graça, não tinha uma coisa: relacionamentos humanos. Não tinha a família, não tinha amigos, ninguém. Notou como dificilmente falam que é bom ter amigos nas propagandas, ou família, apenas os produtos são necessários. Ele percebia que talvez ter todos os produtos que queria não o deixava feliz para sempre - momentaneamente, ele assumia, ficava muito feliz, mas no fim das contas, sentia saudade das pessoas. E uma coisa mais o perturbava: a falta de mulher, de sensualidade. Começava a pensar como homem, e na adolescência, a falta de algo pornográfico é algo bastante sentido. Mas isso durou só até ele, ao tentar sair caminhando no total escuro, onde as luzes neon não alcançavam mais, encontrar inesperadamente um local escondido, onde havia uma sex shop.
Desde então, não mais sentiu saudade da família. Nem de amigos. Passou o resto de sua vida em uma dimensão aleatória, com bucetas de látex, óleos lubrificantes, masturbando-se e comendo queijo, jogando catupiry nas bucetinhas e gozando.
E assim foi, até morrer. E morreu feliz!

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Maldita greed! Parte 1

Pedro fora uma criança feliz e saudável (ao menos era isso o que diziam quando ele era uma criança gorda - vocês sabem, o conceito de saudável sempre muda com o tempo; hoje, saudável não existe mais). Ele vivia vendo TV, jogando videogame e vez ou outra jogava bola com os amiguinhos da rua (porque na época dele, crianças, mesmo gordas, jogavam futebol na rua, embora tivessem, obviamente, desvantagens na hora de correr). Ruivo, cheio de sardas e gordo; além de ser alvo fácil de piadas, tinha um sorriso cativante, até mesmo quando zombavam dele, e geralmente suado e com a boca cheia de bochecha, pedia, rindo, para pararem quando percebia que não estava gostando da brincadeira.
Tudo isso, obviamente, não nos interessa em nada, a não ser por tratar-se de uma apresentação básica do personagem. Mas ele poderia ser preto, ruivo, gordo, magro, qualquer merda; o importante é o que vem depois. Mas falar de suas características e prolongar a história curtíssima faz parte de todo bom escritor - e como podem ver, neste caso, de todo escritor de merda também! Pois bem, Pedro tinha um sonho quando era criança, que persistiu com a chegada da adolescência; esse sonho não era zerar nenhum jogo de videogame, nem mesmo ser jogador de futebol, como a maioria dos outros moleques. Seu sonho era participar de um daqueles programas onde ganha-se um minuto para fazer as compras no supermercado. Não que ele tivesse consciência de que fazendo isso economizaria uma boa grana aos pais - longe disso; ele apenas refletia a sociedade de consumo na qual vivia, onde ele sempre queria coisas (muitas delas sem qualquer serventia a ele, mas não era isso o que a propaganda dizia, era?), e um supermercado era o local onde tinha de tudo - lógico que ele pensava naquelas grandes lojas, e não em supermercados - : TVs, minisystems, comida, porcarias (era assim que seus pais chamavam aquilo que ele tanto gostava... ele achava engraçado ver algo que ele descreveria como "delícia" ser nomeado de "porcaria"), peixes, etc. Ele pensava nas idas ao supermercado com seus pais, a quantidade de coisas que ele pedia, e seus pais negavam; as embalagens coloridas de biscoitos que vinham com tatuagens dentro, ou pequenos bonecos. Sempre foi fascinado por brindes; comprar uma coisa e ganhar outra legal. Um minuto para tirar de suas costas todo esse peso da angústia de não poder comprar tudo aquilo que queria. Ter um minuto para mudar sua vida, poder pegar TUDO o que ele quisesse, sem alguém para barrar a entrada no carrinho de um produto que "não serve para nada e é muito caro!" Ele sonhava com esse minuto... apenas UM minuto seria o suficiente.
Pedro cresceu, mas a ideia não o abandonara: a fixação em participar de um programa desses só aumentava na proporção inversa dos programas, cada vez mais fora de moda, que escasseavam ao zapear a TV já nos meados dos anos 90. Afinal, não falei, mas ele nasceu na década de 80, e estava já com seus 10, 11 anos talvez. Muito mais magro do que quando era a criança gordinha da introdução, Pedro treinava corrida em seu tempo vago. Não ia para uma pista, ou para praia, nem lugar nenhum isolado. Corria na rua, indo de uma calçada a outra, encostando em um portão de um lado, e logo passando para o outro lado da rua, para encostar em outro portão e seguir esse zigue-zague contínuo. Ele não dizia a ninguém, para não parecer maluco, mas era óbvio que ele treinava em segredo, com uma ponta de esperança de participar de um programa que o desse um minuto em um supermercado.
Depois de um dia de correria desses, Pedro, ainda ruivo, ainda branco, ainda suado, apenas mais magro, chega em casa, cansado, e vai, com suas mãos sujas de ferro de portão alheio, pega um pão, abre com os dedos e abre a geladeira para pegar um requeijão, um queijo ou qualquer gororoba que pudesse colocar naquela massa para que ficasse com gosto - e tirasse o gosto de ferrugem que seus dedos colocaram. Sua mãe, de costas, no fogão, diz:
- Pedro?
O moleque não responde, pega o requeijão e sai para pegar a faca ao lado da pia. A mãe olha para o lado e confirma que é ele mesmo.
- Pedro... tô falando contigo...
- Que foi, mãe? Não enche! Já lavei as mãos! - mentiu, achando tratar-se de mais uma daquelas frases manjadas de mãe, e mostrando já que os hormônios e o desejo por bucetas e peitinhos deixavam sua infância de gordinho simpático para entrar na adolescência impaciente.
- Há! Mas não lavou mesmo! Duvido até que tenha tomado banho essa semana! Agora, ô maloqueirinho corinthiano, era só pra te avisar que chegou carta pra você...
Pedro mordia o pão, já recheado enquanto eu escrevia esses diálogos.
- Pfffra mim? - estranhou, de boca cheia o garoto - Onde?
A mãe fez um gesto com a mão esquerda, como que apontando para as costas dela. Pedro imaginava que estava em cima da mesa, mas sentia uma necessidade de perguntar tudo minuciosamente para a mãe. Dessa vez, que estava com a boca cheia, resolveu fazer um esforço: olhou rapidamente a mesa, e viu um símbolo que achou ser da TV Bandeirantes. Estranhou e pegou. Com o pão em uma mão e a carta na outra, era impossível abrir o envelope naquele momento para um ser com duas mãos. Mas não para Pedro! Não que ele tivesse uma terceira, mas colocou o pão na boca (eu escrevi pão!), segurando-o como um cachorro segura seu alimento, e rasgou cuidadosamente o envelope - e sentia uma leve taquicardia tomar seu corpo. Ao abrir, retirou o papel de dentro e o que ele imaginava confirmou-se: era o convite para participar de uma competição de um programa daqueles, na qual o vencedor ganhava UM MINUTO dentro do supermercado para pegar o que PUDESSE. Friso a palavra "pudesse" pois não era para pegar apenas o que "quisesse". Se já pegou tudo o que queria, e "pode" pegar mais, vai lá, campeão, o supermercado é seu! Pedro deu um urro - e desafinou no meio do urro, saiu aquela vozinha fina no meio do grito. Culpa dos hormônios, bucetinhas e peitinhos em sua mente - e sua mãe quase o queimou com a colher que usava no momento para mexer a comida, para ensinar-lhe a não gritar feito um louco, para não parecer louco. Mas ela só ameaçou. Pedro saiu pulando e falando que tinha sido chamado para o tal programa, mas ninguém sabia que programa era aquele, então a felicidade dele era uma felicidade solitária, e ele estava pouco se fodendo para isso, afinal, ele tinha a chance de ganhar o minuto mais feliz de sua vida (mas ainda era apenas uma chance... ele precisava vencer o jogo).

OBS: Aqui termina a parte 1, e realmente esqueci a palavra greed em português, mas sei que é realmente essa palavra que eu quero dizer e dar nome ao texto.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Passeio no Parque (ou Passeio de verão)

Tudo parecia tão bom - e era, realmente. Um dia no parque com a mulher e os filhos, dia ensolarado, no entanto sem aquele calor escroto que te faz suar feito um porco, ostentando aquelas marcas molhadas na camisa, bem no sovaco. Início de mês, ainda dinheiro o suficiente para gastar sem se preocupar com o vermelho na conta.
Dar R$ 10 para cada filho - eram duas pestes, ambos meninos - naquele lugar era certeza de uma ou duas horas sem perturbações. Foi o que Eduardo fez, comprando assim um tempo com a esposa, coisa que não tinham há tempos. O trabalho de ambos os estava estressando - cada um com o seu -, e sem ter uma válvula de escape, acabavam brigando por diversos motivos: ou os dois estavam irritados com o trabalho e não havia clima; ou um dos dois estava estressado, e o outro não compreendia o que tinha feito de errado, enfim, coisas de casal - a impossibilidade de colocar-se no lugar do outro gerava uma bola de neve.
No entanto, voltando ao cenário paradisíaco em que se encontravam (nem tanto, mas perto do que tinham em seu apartamento claustrofóbico, realmente, parecia um sonho), exceto talvez pelo excesso de crianças, estavam se curtindo novamente, beijos apaixonados, como nos velhos tempos, leves esfregões como no início, e algumas apalpadas mais indecentes. As roupas não eram tão descoladas como antigamente (ela trocou a saia folgada por uma calça jeans e uma blusa mais solta; ele trocou a calça rasgada por uma calça jeans inteira e a camisa de banda por uma camisa polo), mas eles davam um jeito, e estavam chegando a um ponto onde as mãos roçavam em partes baixas, exatamente na altura que crianças vêem perfeitamente. Precisavam procurar um local mais reservado, e os filhos... os filhos estavam no pedalinho provavelmente, tacando tocos de madeira ou pedras em gansos no lago. E ficariam nisso um bom tempo.
Eduardo procurou um morrinho saliente para a saliência, e Clara apenas seguiu o marido, ruborizada, mesmo não estando fazendo nada no momento, apenas por saber que iria fazer. Aconchegaram-se, ele encostado no morrinho, e ela jogada para cima dele, com uma mão em seu pescoço e outra na virilha dele (porque "em sua virilha" poderia ser a dela também), quer dizer... não exatamente na virilha... E enquanto namoravam sossegados, ele pensou: "Acho que é hora de um boquetinho...", e abaixou gentilmente a cabeça de Clara para a felação. E assim ficaram, mesmo Eduardo tendo percebido uma movimentação próxima, e visto alguns moleques que insistiam em assistir um pouco, tentando se esconder, a pegação do casal. Ele apenas fingia que não via as crianças, mas tentava não passar nada disso à esposa, que ele conhecia, pararia na hora se soubesse dos capetinhas. Ele não podia parar, afinal de contas, estava revivendo a paixão do casal. Aquele casamento falso, aquela saturação do dia-a-dia, aturar o casamento por causa dos filhos... nada disso passava por sua cabeça no momento, ele apenas conseguia enxergar e entender a mulher por quem se apaixonou. Eis a força do Boquete.
"Tá gostoso, safadinho?", dizia Clara enquanto passava a língua na cabeça do pau de Eduardo. Ele apenas sorria e olhava para aqueles olhos. Forçou a cabeça dela para ir mais fundo. Ela tirou e começou a lamber os ovos. Ele sentiu que estava por vir o gozo. Pediu que ela botasse tudo na boca, e assim ela fez. "Vai, rapidinho que eu vou te dar leitinho, gatinha lambedeira!", e Clara abriu um sorriso malicioso, e com a ponta da língua no pau, começou a tocar uma para ele. Ele chegava cada vez mais próximo, e resolveu botar o pau na boca dela, chegando na garganta, fazendo movimentos contínuos de botar e tirar, cada vez mais rápido.
Eduardo estava quase gozando, e a cabeça quase sempre baixa, olhando para o rosto daquela que ele aceitou como mulher para sempre, aquela que deixou do nada de ser seu ideal de mulher, e que agora voltava, magicamente, a ser sua mulher, seu desejo de mulher. De repente sentiu que vinha o momento máximo, e sem pensar, em um movimento totalmente involuntário, levantou a cabeça, e enxergou, passando na sua frente seus filhos correndo, passando em frente ao casal. Mil coisas devem ter passado em sua cabeça, mas dois pensamentos básicos prevaleciam: "Vou gozar na tua boca, Clara!", empatado com "Não olhem para o lado, filhos da puta! Continuem olhando para a frente!". E naqueles cinco segundos que parecem vinte minutos, onde tudo ocorre em slow motion, Junior olha para o lado, vê os pais, pára, não percebe direito o que está acontecendo, e vem em sua direção, com um sorriso infantil, doido para contar o que tinha feito com o dinheiro. O irmão, Lucas, que já estava na frente, parou, voltou e seguiu o irmão. Eduardo assistia a tudo e apenas pensava, não dizia nada. Clara, de costas para os meninos, estava cada vez mais animada com a piroca do marido e ansiava pela porra. Eduardo tremia, o orgasmo na raiz do pau já, e a cabeça agora, não mais olhava Clara, e sim os meninos. Junior muda o semblante, e do sorriso infantil passa para um assustado, e em uma fração de segundo depois, aterrorizado. A porra começa a percorrer o tubo deferente (porque eu também sou cultura) de Eduardo, com pressão, já que Clara apertava com a mão a base do pau. Clara sentia a pressão vinda da pica e sorrindo, abriu a boca mais ainda, para que o marido pudesse ver seu gozo espirrando. Clara olhou para cima, para ver a reação do marido e viu o rosto dele, e a expressão, que deveria ser de prazer máximo, parecia a de um condenado à morte. O sorriso de Clara murchou, mas a boca continuou aberta, e o primeiro jato entrou em sua boca.
Junior, totalmente desolado e confuso, e agora a uns dez metros de distância, grita "Mãe?!?", enquanto Lucas já tinha virado as costas antes, um pouco mais malandro e menos inocente. A voz do menino ecoa na mente de Eduardo e de Clara. Eduardo sente tanta culpa quanto prazer no momento, mas não deixa de curtir esses milésimos de segundo. Clara, com sua excitação um pouco cortada ao ver a expressão no rosto do marido, desespera-se ao reconhecer a voz de Junior, e em uma tentativa de esconder o ato errado que fazia com o marido, ao tentar voltar a ser a mulher de respeito que era até então, para acabar com a sexualidade do momento, com a boca já ostentando uma quantidade razoável de porra, fecha a boca com força e abaixa a cabeça, tentando aproveitar que estava de costas para simular que estava fazendo qualquer outra coisa que não pagando um boquete. Na mordida de Clara, o rosto de Eduardo exprime uma dor da mais aguda, e um urro ecoa no parque. Clara, ao abaixar a cabeça, tem a testa e parte do cabelo banhados por sangue e um resto de porra, e ao virar para o lado, sua face, antes ruborizada de vergonha, agora fica ruborizada de sangue jorrado pelo pau de Eduardo. E resquícios do leite que passarinho macho não bebe.
Eduardo desmaia. Junior desmaia. Lucas passeia tranquilo pelo parque, procurando uma criança para brincar. E Clara tenta falar "Acorda, Junior" com metade de uma piroca na boca e o rosto todo ensanguentado e esporrado.

P.S.: Esse conto virou um conto em um curta feito numa oficina de trash no CCBB, com o Gurcius Gewdner, Petter Baiestorf e Christian KZL.