domingo, 14 de setembro de 2014

O Remorso

Gleice e Stefano estão sempre juntos. São um casal feliz, tipo de propaganda de margarina, de propaganda de motel. Sorrisos, safadezas, sentimentos. Seria perfeito, não fosse um porém: Gleice é encrenqueira. Encrenqueira, do pior tipo, aquela que encrenca sem motivo nenhum. Daquelas que até quem torce por ela percebe que, mesmo forçando, Gleice não tem motivos em suas encrencas. Pois bem, no entanto, os dois seguem felizes.
Aliás, tudo ia bem, até que um dia, Stefano resolveu acordar mais cedo e fazer o café da manhã de sua amada. Bateu uma vitamina de morango, botou quatro fatias de pão na torradeira, e depois de torrados, lambuzou-os com manteiga de amendoim. Sem miséria. A manteiga de amendoim fazia até aquela voltinha pra cima, quando a pessoa bota a cobertura com prazer, sabe? E assim foi Stefano, levar o café da manhã na cama para Gleice. Acordou-a com um beijinho e mostrou a bandeja com os pães para ela. Sorridente, Gleice piscou os olhos, espreguiçou-se e feliz, foi ver de perto o que tinha na bandeja. Ao olhar, o sorriso fechou-se e Gleice levantou-se da cama em direção ao banheiro.
Stefano, sem saber o que fazer, foi atrás dela, e perguntou o que havia acontecido, e foi respondido apenas com um "não foi nada...". Encucado, continuou indo atrás dela, para dar um abraço e perguntar se não tinha gostado do café. Ao se aproximar do banheiro, um rolo de papel higiênico acertou em cheio sua cara, seguido de palavras ríspidas, que o lembravam (ele jura que apenas informaram, nunca soube de nada disso antes) que ela não podia comer manteiga de amendoim devido a um trauma de infância, na qual ao comer, teve sua traquéia fechada por uma reação alérgica. Gleice perguntava se ele queria matá-la, e jogava gilete, sabonete, pasta de dente... tudo o que tinha no banheiro em cima de Stefano.
Sem saber o que fazer, Stefano foi para a cama, pegou a bandeja e dirigiu-se à cozinha. Lá chegando, comeu as torradas, que estavam deliciosas, e aguardou Gleice descer. Ao descer, a mesma pediu que ele fosse embora e que se ele a amasse, teria esperado-a para tomar café da manhã; tomar café sozinho significa que não estava nem se importando com ela. Ele tentou argumentar qualquer coisa, mas nada que mudasse a idéia dela: pediu que saísse da casa dela, que ela queria um tempo. Stefano tentou beijá-la, sem sucesso, tentou alegrá-la, ver um outro lado: necas! Enfim, saiu, já que não tinha outro jeito.
Gleice ficou um bom tempo bem, sozinha em casa. Resolveu botar umas músicas ruins que adorava, e dançou, para fingir que isso era a melhor coisa da vida. A noite, como Stefano não ligava, resolveu ligar, dependendo da voz dele, continuaria a briga ou fazia as pazes.
Tuuuuuu... Tuuuuuu... TuuuuAlô?
Uma voz de mulher atendeu. Não conheço essa voz. Esse filho da puta está com alguma vagabunda!
- Quem é que tá falando??? - indignou-se Gleice com a voz feminina do outro lado.
- Olha, senhora... você não me conhece... o dono desse celular é o que seu?
FILHO DA PUTA. Deve estar num puteiro. E a puta é uma sem vergonha que ainda atende o celular dele enquanto ele deve estar lavando o pau...
- Ele não é nada meu! Era um babaca que pagava umas coisas para mim e fazia o que eu queria... mas pelo visto outra aproveitadora tá aí já pra tirar proveito dele, né?
- ... Senhora... o dono desse celular...
- Não preciso saber as putarias que vocês tão fazendo não, tá?
- Senhora... passe para alguém mais sensato perto de você para eu falar, por favor...
- Eu estou sozinha, e muito bem, se quer saber!
- Olha... o dono desse celular... ele foi assaltado, reagiu e tomou dois tiros. Ele está respirando, mas creio que por pouco tempo... Caso a senhora conheça a família dele, por favor avise. Tchau.
Gleice não conseguiu mais dizer uma palavra... NUNCA MAIS! Ela hoje mora sozinha e pesa 238 quilos e 637 gramas. Seu peso aumentou muito porque desde esse acontecimento, há 7 meses atrás, ela se obriga a comer 5 potes de manteiga de amendoim por dia, com colher. É sua única refeição, desde aquele dia, até o último dia de sua vida.