terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Língua estrangeira

Há uma língua estranha
(Se puderes, evite)
Apontada como emudecedora

Que no entanto tem sua
Própria gramática
P'rá alma errática
Ser  vil consoladora

Poucas palavras fazem
Parte dessa tal língua,
Os atos são o que a torna robusta

Desespero urro tiro
Vocabulário banal
O verbete principal
Suicídio; Angústia.

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 Agora texto que deu origem à poesia não-poesia.

A angústia é uma língua com vocabulário próprio. Não importa quantos idiomas a pessoa angustiada domine; não importa o quão conhecedora ela seja de línguas. A angústia a faz perder a capacidade de expressar-se através de palavras. Dialetos esquecidos, línguas mortas, língua nativa; nada consegue descrever de forma tão perfeita os tormentos. A angústia é independente nesse caso, tem sua prórpia língua, feita em sua maior parte de atos. Esses sim, expressam indubitavelmente a angústia: unhas roídas, olhares nervosos distribuídos para todos os lados, olhar fixo no nada (gazeing), isolamento.
Poucos compreendem. Como ajudar alguém quando não se compreende o que a pessoa está dizendo?
Deveria ser mais estudada...

Jantar em Família (Giovanna)

Era para ser apenas um jantar. Chamei meus pais e meu irmão (com minha cunhada e minha sobrinha, claro) para comer lá em casa. Óbvio que embora a janta tivesse sido bem preparada, sabia que a disputa em importância ia ficar com a Giovanna, e não deu outra.
Contarei de forma não-cronológica, pois o melhor aconteceu logo de cara. Mas após o jantar, mostrei a ela uns docinhos que tinha guardado para ela. Quando ela mordeu, fez cara de quem não gostou e falou que não comeria mais aquilo. Não entendi, já que ela gostava daquele docinho, mas ela me vira:
- Pô, titio... me preparei toda pra comer o docinho... Brincadeira!
Reclamando desse jeito, como poderia eu ficar puto com essa criatura?
Mas o pior foi antes do jantar. Ao que todos pegaram seus pratos e talheres, percebi que o número de garfos era maior, e estava faltando faca.
- Alguém aí quer faca?
Umas três pessoas disseram "eu!", uma delas a Giovanna, que ainda complementou:
- Eu quero uma faca... pra eu poder me matar!

Puta que pariu, aquele silêncio na mesa, só eu rindo! Essa garota pegou alguma coisa do meu humor.
Amei a piada, pena que ela será incompreendida... hehehe.

Só isso. Texto babação pura.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Crônica de uma morte viajada

Fim de noite. Alguns poucos amigos ainda estavam em sua casa. Gustavo estava sentado distante, não que não gostasse das pessoas, mas interagia muito pouco quando estava doido. E ele estava doido. Havia tomado um selinho de LSD, e estava totalmente absorto ouvindo a música do ambiente. Gostava de sentir como músicas triviais ganhavam camadas extras quando ele estava sob efeito do ácido, mais até do que as alucinações visuais. Algumas músicas passavam a ter a experiência de ouvi-las alterada depois de prestar atenção na sua totalidade (música pura mais o que está escondido para os viajantes desse mundo), fazendo com que ele gostasse mais delas.
E no exato momento em que tocava "Ashes to Ashes", do Faith No More, e ele viajava sobre brigas entre baleias gigantes e alcatéias de lobos-do-ártico, no ártico (porque numa viagem, dependendo do selo, isso pode acontecer até no inferno...), um estrondo surpreendeu-o, tirando-o do delírio, e a música pareceu esmaecer. A alcatéia e as baleias saíam cada uma para seu lado, dissipando a viagem de Gustavo, e ele lentamente abriu os olhos para tentar compreender o que estava acontecendo. Algo chamou-lhe a atenção no bar de canto de sua casa, e ao cerrar um pouco os olhos - algo que psicologicamente funciona como uma tentativa de dar foco à visão - , percebeu que ali estava um homem que ele não conhecia, encarando-o. O sujeito realmente era estranho - o fato da visão de Gustavo estar em um constante ir e vir em um zoom maldito ajudava a achá-lo estranho, talvez - , e no entanto, parecia ser a sua casa, tão à vontade que estava: uma camisa de botão preta com estampas quase radioativas de tão coloridas, aberta até a metade da barriga; em uma das mãos, uma taça com alguma bebida dentro; e no rosto, um sorriso cínico dos mais vagabundos.
O sujeito começou a vir na direção de Gustavo, que tentou desviar o olhar, para o chão, depois fechou os olhos, ficando cada vez mais tenso na medida que sentia o sujeito aproximar-se. "A merda do meu safe place, caralho... respeita meu safe place...", pensava, angustiado, o anfitrião chapado. Sentiu, mesmo com os olhos fechados, algo cortar-lhe os resquícios de luz que batiam nas pálpebras e teve certeza que aquele cara estava na sua frente, tão próximo que... sim, conseguia sentir o hálito de bebida forte vindo daquele desconhecido, a uma distância que, em sua juventude, seria considerada a distância anterior a um beijo de língua bem babado em alguma garota. Fechou ainda mais o olho esquerdo para que abrisse apenas um pouco do olho direito, o que o fez ficar com uma careta de criança birrenta, com a boca puxada para o lado esquerdo. Ao abrir, o que viu foi um imenso rosto desconhecido mais próximo do que ele gostaria, com um imenso sorriso debochado e olhos esbugalhados que convergiam para o seu. No susto, Gustavo abriu os dois olhos e jogou-se para trás, instintivamente. O sujeito ria e sentou-se ao seu lado, dando-lhe um tapa na coxa, com uma intimidade que não fazia sentido.
- E aí, Gustavo, vamos conversar?
Gustavo olhou para o sujeito, sem entender o que estava acontecendo, se era algum conhecido que por culpa da viagem de ácido ele estava apenas enxergando alguma camada nova que ele nunca havia notado.
- Cara... eu só quero...
- Ficar sozinho, eu sei... - interrompeu o fanfarrão. Olha, eu sei muito mais sobre você do que qualquer um, e acredite, acho que gostaria de saber o que eu posso te contar. Vem, tem muita gente aqui.
O rapaz levantou-se e caminhou em direção ao quintal, um lugar que realmente estava mais vazio do que a casa, já que não havia bebida lá fora. Gustavo sem saber muito o porquê, acabou seguindo as estampas berrantes da camisa, com sua percepção de espaço ainda alterada e causando-lhe uma certa vertigem.
Ao chegar no quintal, Gustavo encontrou o estranho encostado em uma pequena árvore que começava a crescer ali, apoiando-se com um dos pés na mesma. Aproximou-se dele, sabendo que ali na casa dele era para ter apenas seus amigos.
- Quem é você, cara? Desculpa, mas eu tô meio...
- Meio chapado? Cara, você tá viajando bonito com esse LSD aí! Você tava tocando altos instrumentos imaginários enquanto tava sentado ali, e pouco antes de olhar pra mim, você tava uivando, cara. Sim, uivando, e o pior, no ritmo da música. Hahahaha!
Meio constrangido, ele lembrou-se da briga entre baleias gigantes e lobos-do-ártico que passou em sua cabeça há pouco tempo atrás - embora ele não tivesse a certeza que era pouco ou muito tempo atrás. Sorriu sem graça, mas subitamente lembrou-se que não foi respondido.
- Tá, mas... quem é você?
O sujeito abriu um sorriso enorme, empolgado.
- Eu sou um mensageiro. Meu nome é Hermes, mas pode chamar de anjo, de demônio, de alucinação, de epifania, foda-se. O que importa é que sou o cara que vai te falar da tua morte, cara!
Gustavo olhou assustado para ele, mas com um misto de animação. Adorava falar sobre morte, e fantasias de seres sobrenaturais. Achou linda essa doideira toda que o ácido lhe causava; era a primeira vez que conversava com alguém que não existia, no entanto.
- Uau! Haha, cara, conta aí, espero que eu lembre disso amanhã.
O mensageiro sorriu contido e sentou-se, sendo acompanhado em seguida pelo anfitrião.
- Vai lembrar sim, Gustavo. Vai lembrar por conta do desespero, mas espero que isso não te atrapalhe. Veja isso como uma chance de aproveitar a vida como poucos têm. Nem todo mundo recebe essa mensagem.
O clima, que era tão amistoso e de animação, começou a ficar estranhamente pesado, com o tom de Hermes ficando cada vez mais sério. Ele continuou.
- Você vai morrer daqui a pouco mais de uma semana. Exatamente na madrugada de domingo para segunda, às 3:33.
Gustavo ficou sério, chocado com a revelação, com o modo como a mensagem estava sendo passada. Uma fala carregada de pesar e de pena, disfarçada com um sorriso, amenizou o clima.
- É metade de 666, né? Hehe isso aí fui eu que negociei pra você, porque eu sei que você se amarra nessas coisas. Eu também curto essas zoações, Gustavo.
O anfitrião estava tenso, e arrancava alguns matos do chão, deixando-o com as unhas cheias de terra, enquanto pensava no que estava sendo dito para ele.
- Você é minha pior bad trip, cara. Tô ficando assustado...
Hermes abraçou-o, chegando novamente próximo a ele, como um amigo íntimo bêbado querendo animá-lo após alguma notícia péssima.
- Cara, como eu disse: veja isso como uma chance. Você está sendo avisado, eu nunca faço isso assim, explicitamente, mas eu acho você maneiro, mesmo. E lógico, o LSD ajudou bastante para eu poder fazer essa comunicação extra-sensorial.
- Porra, você existe ou não existe? Vou ficar com um cagaço de morrer essa semana... - Gustavo olhava diretamente para os olhos do mensageiro, e o que ele via ali era um pouco de compaixão e... verdade.
Hermes agarrou sua cabeça colocando-a entre suas mãos abertas, puxou-o para muito perto, e para que olhasse frontalmente em seus olhos, sem poder fugir do que via, e falou sério com ele.
- Você não vai morrer durante essa semana, Gustavo. Você morrerá na madrugada de domingo para segunda, às 3:33. Entendeu? Madrugada de domingo para segunda, às 3:33. Preciso repetir?
- Não...
Gustavo voltou a olhar para o matinho que ele arrancava inconscientemente da terra, cabisbaixo. Hermes começou a levantar-se.
- Olha como eu fui legal contigo, deixei você morrer após aproveitar o máximo do fim de semana e sem precisar ir trabalhar na segunda!
Ao olhar para cima, Gustavo viu Hermes virando a bebida que ainda estava em sua taça, e desesperado fez a pergunta mais óbvia, após saber quando iria morrer.
- Mas de que eu vou morrer?
O mensageiro da morte, após terminar o gole, tacou a taça na cabeça do chapado, que apagou sem ter uma resposta.
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Gustavo acordou assustado em sua cama, ao lado da namorada, Patrícia. A levantada súbita acordou a garota, que sorriu.
- Nossa, veio de outro mundo, hein...
Ele olhou-a, com olhos que o faziam parecer um lêmure. Nem foi preciso pedir explicação.
- O Sr. Chapado que dormiu no quintal, falando sozinho e com uma taça quebrada.
- Mas eu nem bebo quando uso LSD, você sabe! - reagiu Gustavo.
- Não bebia, né... ontem parece que misturou e ficou doidaço!
Uma pontada de tristeza invadiu-lhe a mente, mas ele não conseguia entender o porquê. Aos poucos, no entanto, a memória trouxe algumas partes da noite anterior. Patrícia estava falando com ele, mas em sua cabeça só havia espaço para a lembrança de Hermes, o papo da morte... a data veio, fazendo-o dar um salto da cama.
- Nossa, não tá me ouvindo não, Coisa?
Adorava quando ela o chamava assim, mas realmente, estava começando um domingo que segundo sua última viagem seria o penúltimo de sua vida. Deu um beijo rápido na garota, e sabia que precisava pensar sobre isso, e fez o que era de costume quando queria pensar em algo sossegado: entrou no banheiro.
Após quase uma hora tentando decidir se era uma alucinação muito forte por ter misturado ácido com bebida, ou se foi realmente um portal de outro mundo que apareceu em sua vida para o aviso fúnebre, não chegou a conclusão nenhuma. Seu ceticismo não o permitia aceitar aquela doideira toda, misturando seu goticismo depressivo com mitologia grega. "Mas quer saber, pelo sim, pelo não, vou tentar aproveitar".
Ligou para o chefe e pediu compreensão, mas precisava tirar a próxima semana para resolver assuntos sérios de sua vida. Como sua voz era realmente triste e parecia vir de um abismo, tão apático ele soava, o chefe não pediu explicações e permitiu que tirasse o tempo necessário, mas que se cuidasse. Gustavo consentiu.
Decidiu que não explicaria o motivo de estar afoito para ninguém. Avisou a Patrícia que tiraria a próxima semana de férias, e que se fosse possível, ela pelo menos folgasse durante alguns dias para poderem passear, mas avisou-a de que teria que passar na casa de algumas pessoas importantes para ele: família, amigos, e que não poderia esperar que ela chegasse do trabalho para o tal, e que iria fazer isso durante a semana. A garota não entendeu nada, a pressa dessas visitas, e começou a argumentar que isso os atrapalharia quando quisessem tirar férias juntos. No que os tons começaram a elevar-se, Gustavo disse que não queria brigar. Como amava aquela garota e odiava brigar com ela por motivos bobos... Mas sempre que pequenas coisas saíam dos lugares, podiam virar brigas feias, estúpidas e sem motivos reais. Mas ele não tinha tempo para isso; sabia que ficaria uma eternidade ao seu lado, quanto mais uma semana. Beijou-a e disse que apenas sentia que precisava fazer isso, e não queria brigas durante aquelas férias surpresas. Começaram o domingo transando antes do almoço.
Gustavo aproveitou os dias ao máximo, alongando as noites o máximo que podia com Patrícia, e acordando cedo para passeios. Passou um longo dia com os pais, vendo fotos de quando era mais jovem, relembrando histórias da infância e juventude, e óbvio, pediu para os coroas fazerem a comida que ele mais gostava de cada um. O caldo de aipim com carne seca do pai; as batatas gratinadas e a lentilha da mãe. Continuavam com o mesmo gosto de quando era mais jovem, e a família continuava divertida.
Foi uma semana de encontros com diversos amigos que não via há tempos. Passeou com a sobrinha, uma das criaturas mais queridas por ele, mas que o trabalho, a distância e a vida corrida acabavam fazendo com que não se vissem tanto quanto gostaria. Patrícia tirou duas folgas e viajaram para lugares próximos, aproveitando cada momento da viagem. Tanto com os amigos, quanto com a família ou até mesmo com Patrícia, teve que segurar o choro diversas vezes, sempre que pensava que estava perto de morrer e aqueles eram escolhidos para compartilhar com ele os últimos momentos da vida; isso lhe dava uma tristeza e uma alegria imensas, uma mistura de extremos de cada sentimento. Mas não podia chorar, não podia falar com ninguém sobre isso. Como explicaria que um selo de LSD lhe abrira um portal e fizera com que tivesse uma epifania de sua morte através de Hermes? Iam interná-lo como louco, e ele não podia perder tempo explicando nada; precisava viver.
E assim fez, intensamente, até chegar a noite de domingo. Ele e Patrícia estavam sentados no quintal, no mesmo local onde Gustavo teve as revelações. Abraçados, olhavam para o céu, e a lua estava cheia, foda, um banho de contraste naquele azul quase roxo do céu.
- É, Coisa... amanhã você volta ao trabalho, né... Foi muito boa essa semana! Ao menos o tempo que eu passei com você né, porque ficou saindo pra um monte de lugarzinho... - Patrícia falava, debochando, mas sem brigar.
Sentiu o choro vir, mas continuou olhando firme na lua, enquanto sabia que os olhos estavam úmidos, e aquela ânsia estava subindo na garganta já. Engoliu aquele choro; agüentou até agora, não seria no final que ia fraquejar.
- É. Foi uma ótima semana!
Patrícia levantou-se e deu uns tapas em sua própria bunda, para tirar os matinhos e a sujeira de terra do short.
- Mas agora vamos deitar, que amanhã voltamos pra rotina?
Gustavo continuava sentado, olhando a lua. Olhou Patrícia e sorriu.
- Vamos ver um filminho antes de dormir...
- Ai, você sabe que eu vou dormir... tá tarde... - Patrícia reclamava, mas já estava acostumada a começar a acompanhá-lo vendo um filme e dormir pouco depois, para no dia seguinte perguntar sobre como terminou (sendo que mal via a história começar a desenrolar-se).
Ele levantou e deu um apertão em sua bunda, e os dois correram para dentro de casa.
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Saíram do banho após transarem na sala, assim que entraram do quintal. Gustavo colocava um filme no DVD. "Trinta anos esta noite". Patrícia pega a capa do DVD e faz uma cara de nojo com um riso sarcástico.
- Ai, filme velho, preto e branco... vou dormir rápido nesse...
Gustavo sorri.
- Vou escovar os dentes, na volta eu dou o play.
- Se eu ainda estiver acordada, eu vejo... - brincou Patrícia.
Ele sorriu e agarrou-a, dando um longo beijo e percorrendo seu corpo com as mãos. Soltou-a depois de um tempo e foi para o banheiro.
Olhou o relógio: 01:07. Faltavam pouco mais de duas horas para sua morte. Começou a escovar os dentes. Embora adorasse o tema, Gustavo morria de medo da morte e tudo o que se relacionava com ela: sangue, hospital, etc. Cagaço mesmo, desses de fazer passar vergonha. Estava perto de confrontar-se não com um desses subtemas, mas a própria morte, em breve. Ou poderia ser só alucinação aquilo tudo. Mas o medo era maior por não saber como iria morrer. E se sofresse muito? E se jorrasse sangue? E se batesse o desespero que o fizesse esquecer dos lindos momentos que tivera na vida, e principalmente os que estavam mais frescos, daquela semana? Os últimos momentos, quando você vê toda a sua vida passar rapidamente, não podiam virar uma luta inútil contra o destino fatal em uma tela preta em sua cabeça, só por conta do desespero. Era melhor morrer dormindo, conclusão final, ao término da escovação.
Pegou um remédio para dormir e tomou, para ajudar a passagem, mesmo que artificialmente. Estava voltando para a cama, quando pensou em acordar nos momentos finais de uma parada cardíaca, já morrendo e desesperado por puxar um ar e não conseguir forças para tal. Voltou ao banheiro. Tomou mais um remédio. Dois devem dar conta do recado.
- Vem logo, Coisa! Eu vou dormir, hein! Que tanto faz no banheiro? Tá batendo punheta, é? - gritou Patrícia, deitada na cama. Pode vir que eu agüento mais uma trepada... Filme é que eu durmo...
Gustavo riu. Partiu para a cama e deu umas lambidas em Patrícia, brincaram um pouquinho mais. 02:18. Foi lavar-se no banheiro enquanto Patrícia ficou na cama. Ele sabia que na volta ela já estaria dormindo dessa vez. Olhou-se no espelho. Estava feliz.
Tomou mais nove pílulas e partiu para a cama.
Ele deu o play no filme. Não conseguiu ver até o final.

Leituras horripilantes

Texto iniciado em 25/01/2017

Estava há um tempo tirando o atraso de leituras. A vida corrida das metrópoles sempre faz com que as pessoas distanciem-se daquilo que as dá prazer, e podemos dizer que a leitura estava cada vez menos presente em sua vida: um livro a cada quatro, cinco meses... Resolveu voltar ao ritmo que lhe agradava e estava devorando livros como antigamente. Robustos livros eram lidos em dias, dependendo do ritmo no trabalho, o que lhe diminuía o tempo, em semanas. Mas certamente havia voltado. Encarou seguidamente quatro do Saramago, um Huxley, um Fausto Wolff, até confrontou-se com um antigo preconceito, leu a Ópera do Malandro, do Chico Buarque ("do Chico" é o caralho... é menstruação...), e foi para dois livros de um autor que adorava desde adolescente: Stephen King.
O primeiro livro, "Thinner", leu rápido, pois estava operado e com tempo suficiente na cama sem ter o que fazer além de contemplar o teto, lembrar dos momentos horríveis no hospital e beber água. Beber muita água e chás (de salsa, de quebra-pedra, do diabo a quatro das ervas). Uma maldita pedra no ureter esquerdo o fez aprender na marra aquilo que os pais sempre o disseram (e ele sempre ignorou, como fazemos com quase todos os avisos vindos dos pais): se não beber água pode acabar com pedra nos rins. Sentiu o gosto da diversão novamente naquelas palavras de medo e horror, daquele que era considerado um mestre do gênero. Terminado o livro, olhou para a estante - aquela pilha de livros que ainda não leu: mais Saramago, mais Huxley, quadrinhos do Adão Iturrusgarai, o novo do Allan Sieber com o pai dele, Veríssimo... E mais um do Stephen King, "Sombras da Noite", um livro de contos.
Como o gosto pelo terror sempre foi preferência, e aquele estilo de escrita havia o colocado em uma espécie de retorno à adolescência, aquela leitura divertida ao descrever medos e angústias, resolveu dar continuidade, e pegou mais um do mestre do horror. Já haviam passado quase duas semanas desde a operação, e Stephen King caía bem para as leituras relaxadas de tardes no sofá que não acabavam.
Leu contos que falavam sobre uma cidade fantasma onde criaturas abissais e missas satânicas enlouqueciam pessoas; pessoas que viravam gosmas nojentas; gripes que acabavam com a humanidade; ratos malignos e gigantes; caminhões assassinos; máquinas de passar roupa possuídas por demônios. Enfim, uma infinidade de assuntos carregados de terror e fantasia, buscando um absurdo que apesar de tudo, não o fazia cair na gargalhada, mas brincava em despertar o medo que seu subconsciente tenta esconder que você tem desde que passa à fase adulta. E alguns desses contos o remetiam a outros autores que gostava, como Poe e Lovecraft.
Ah, como divertia-se com as terríveis histórias de crueldade e morte que lia; de seres monstruosos; de uma morbidez crua e, ao mesmo tempo, bonita. Lendo Stephen King o fez pensar em todo esse estilo, nas frases clichês que tentavam injetar ao leitor um pouco de terror induzido. Mas quando havia passado da metade do livro, voltou ao hospital para pegar o resultado de uma tomografia: um exame tranqüilo, sem nenhuma infusão de agulha invadindo-lhe inconvenientemente seu corpo. Levou o livro de contos, para caso precisasse aguardar, o que realmente aconteceu, e estava divertindo-se com todo aquele clima sombrio do livro. No entanto, ao pegar o resultado, ainda com o livro de Stephen King em mãos, foi quando o universo deu um giro e ele compreendeu, da pior forma possível, que aqueles clichês de "um arrepio gélido percorreu-lhe a espinha", ou "sentiu os nervos congelarem embaixo da pele", ou qualquer outra fase que pareça de efeito, realmente acontece. A pedra continuava lá, diminuíra apenas um milímetro. O horror fazia-se presente, e qualquer história do Stephen King pareceria apenas uma boba diversão; sim, uma pedra com milímetros pode ser mais assustadora que qualquer conto genial desse autor, se colocada no seu ureter esquerdo. Perdido no espaço-tempo, pensou na nova operação que teria que fazer; nas agulhas que iriam perfurar-lhe sem consentimento verdadeiro; no cheiro de morte que todo hospital tem; e na sonda no piru. A sonda era certamente a pior parte de tudo.
E sim, minha espinha enregelou-se. Minha face contorceu-se no mais puro pavor, demonstrando uma fobia jamais sentida antes na humanidade.
Essas frases fazem sentido para mim, não só como frases de efeito, mas como demonstradoras do mais puro horror.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Tinha uma pedra no meio do caminho...

Postagem após operar para tirar uma pedra no ureter... Que me rendeu uma noite insone com uma sonda no pinto e um cateter que liga o rim à bexiga. Enfim, freak show.

15/01/2017

1997. F., 11 anos, 5ª série. Aluno exemplar, mas gostava de Casseta e Planeta e está na época de ver piada sexual em tudo.
Aula de biologia, órgão reprodutor. Um show de piadas e trocadilhos, ensinamentos da professora manipulados para virar piadinha escrota. Check. Tudo anotado nas últimas páginas do caderno. "Quem sabe no futuro eu não entro no Casseta e Planeta... 'Entrar'... Hahaha vou 'entrar'! Hahaha". Assim, F., aos 11 anos, começou a construir o que no futuro virá a ser um grande repertório de tiozão.
2017. F., 30 anos (valeu, senhores matemáticos, ele completará 31 esse ano ainda...), 3 dias após operar e colocar um cateter. Tenta, em vão, buscar em sua memória umas aulas de sua 5ª série, sobre o sistema urinário e o sistema reprodutor. Sabe que no homem esses sistemas têm algumas ligações entre si, mas só consegue lembrar da piada do espermatozóide que diz pro outro "relaxa, acabamos de passar pela garganta...", "saco escrotal, ânus"... "Como foi de virada de ânus, hein?"... Nada de útil. Foda. Três dias da operação...
Desesperado e com medo até de ficar de pau duro, recorre ao Google:
"Transar com duplo J pode?"
É, amigos... Estudem... Ou hidratem-se, porque o Google não tem respostas para tudo.

P.S.: Após me ajudarem na pesquisa (já que eu estava procurando "pode transar com duplo J?", e o certo seria "relação sexual com duplo J é permitida?"), e ficar confuso, não agüentei e no dia seguinte mandei mensagem pro médico, perguntando. Foi permitido e me diverti! Depois disso, passado alguns dias, a porra do catéter começou a incomodar quando eu ficava de pau duro, o que me fez descobrir, após dias de sofrimento (tentando pensar em coisas tristes para baixar...), que se eu colocasse o pau duro em uma certa posição, não doía... E assim vou, tentando ainda conseguir novas posições que me permitam sobreviver ereto.