quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Bumbum

— Oi.
— Pode entrar, senta… Tem o cartão?
Entrego o papelzinho. Silêncio constrangedor, e o cara de costas pra mim, no computador. A sala minúscula, no final do estabelecimento, traz uma tensão natural.
— Olha, eu nunca fiz isso, e tô nervoso…
— Ha Ha Ha! Lógico que fez! Em algum momento da vida, você já levou; pode até não lembrar, mas já tomou sim.
— Se eu não lembro, eu não fiz…
— Bobeira. Um homem desse tamanho.
Coço a barba. Está pequena demais para me entreter por muito tempo. Eu não devia ter raspado em janeiro. Fiquei um tempo com aquele queixinho de Noel Rosa.
— Tá. Olha, eu realmente tenho pavor disso, e me deixa triste ter que pagar por isso. É questão de necessidade, mesmo.
— Estou terminando aqui de te cadastrar. Burocracias. Mas não precisa ficar nervoso. Eu estou acostumado a fazer isso. Não vai doer…
— É o psicólogico… Eu sei que não vai doer, quer dizer, espero que não. Mas só de olhar, eu já fico com a boca seca.
— Então não olha – ele ri. Sério, relaxa… Ficar nervoso é pior.
Ele abre o pacote com um rasgo e prepara tudo. Suas costas não me deixam ver o que faz com as mãos. Uma gota de suor escorre pela testa, cai na pontinha da sobrancelha e eu torço para os pelos absorverem o líquido.
— Olha, o volume nem é tão grande. Dava pra resolver no braço. Mas normas são normas: tem que ser no glúteo.
Faz uma pausa e depois continua, sádico:
— Quando eu estava na faculdade, tomei uma que me deixou mancando o resto da semana toda. E eu tive que tomar três numa semana só. E violenta.
O suor escorre pela maçã do rosto. Passo o dedo antes que faça a curva e entre na minha boca. Na ausência de fala minha, ele sustenta o monólogo:
— Você só precisa tomar uma. E, modéstia à parte, eu sou um ótimo profissional. 
— Tá, mas… Como vai ser?
— Vira de costas e abaixa um pouco a bermuda.
— Tá, mas… Que posição? – eu sentia-me sem controle algum da situação; apenas aceitava as ordens.
— Só fica de costas, em pé. Se quiser, apoia o braço na parede.
Que ridículo. Abaixo a bermuda apenas o suficiente para a execução.
— Ah, tem bastante gordura nesse glúteo. Nem vai doer.
Filho da puta! Me chamou de bunda gorda!
Fsss. Fssss. Barulho de algo gelatinoso sendo espirrado.
— Que isso?
— Álcool. Vou passar aqui, e se tem nervoso, não olha que já vai entrar.
Fecho os lábios. O nervosismo vem junto com a necessidade de relaxar para que não haja dores. Que confusão mental. Aperto meus dedos para relaxar o glúteo. A picada vem e permanece por uns vinte segundos, durante os quais penso em coisas legais, músicas, qualquer coisa para não pensar naquilo e acabar logo.
Sinto a retirada, seguida de uma pressão e algo colando em minha pele.
— Doeu?
— Não – respondo, levantando a bermuda. Mas eu sabia que não ia doer, é só o nervosismo…
— Pronto. Deixa esse algodão aí um pouquinho, mas já pode ir. Hoje você não vai sentir nada, mas daqui a dois dias você estará melhor.
— OK.
— E tem que perder esse medo de injeção, hein. Já tá bem grandinho…

E assim eu saio, puto da vida por ter pago R$ 20, fora o remédio, para tomar injeção na bunda e ainda ser chamado de glúteo gordo. Mas é a vida de velho. A coluna fica fodida e você prefere passar por cima de seu medo de agulha do que ficar travado.