quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Felicidade

André sempre foi estabanado. Sabe aquela criança que SEMPRE derrubou bebida na mesa, fazia comida voar na hora do almoço, tropeçava e esbarrava em alguma coisa que ia ao chão e quebrava... Enfim, esse tipo de gente. E era um cara legal, tinha um relacionamento legal com sua parceira, tinha um filho recém-nascido, bonitinho (na verdade, ainda tinha cara de joelho, mas todos o achavam lindinho...), mas em muitos momentos da vida ele sentia um vazio, sentia-se oco, como se não conseguisse a felicidade, essa coisa tão falada, tão almejada, e, segundo posts do facebook e fotos do instagram, tão alcançada por todos.
Achou que aquela ponta de tristeza que sempre o motivou era um problema. Na verdade, ele não acreditava nisso, mas as pessoas repetiam incessantemente essa idéia de felicidade em sua cabeça, e ele pensou ter chegado a hora de procurá-la.
Pesquisou em livros, destrinchou o conceito através dos pontos de vista das mais diferentes religiões e filosofias, mas principalmente, ouviu amigos. Então, André era inteligente, pesquisava bem, mas tinha o defeito de dar ouvidos aos amigos. Geralmente simplistas, ainda mais quando bêbados, eles só vinham com frases prontas, de efeito. A vida pareceria um grande power point motivacional se fôssemos levar em conta a opinião dos amigos do André ( e dos nossos também. Não se iluda!).
Pois por esse motivo, após uma festinha regada a álcool, onde André passou horas conversando sobre felicidade, ele chegou à conclusão de que felicidade era: "plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro". Sim, essa foi a síntese brilhante da felicidade. André saiu da festa bêbado, achando que descobriu a roda e disposto a tornar-se uma pessoa feliz, naquele mesmo dia. Passou em casa, pegou uma pá, uma fruta-do-conde, um caderno, caneta e o filho. A mulher, que dormia com a TV ligada no Faustão, acordou quando André abria a porta para sair, e perguntou-o o que iria fazer: "ser feliz!", foi a resposta. Voltou a dormir enquanto alguma famosa "quem?" dançava com alguém naquele programa de fim de domingo...
Foi para o sítio dos pais que André encaminhou-se. Um bom espaço verde, uma casinha simples e paz; tudo bem diferente do caos urbano em que morava. Ao chegar, respirou fundo e tirou tudo o que precisaria do carro. O bebê estava naquela bolsa de canguru que ele gostava de usar.
Crianças não costumam beber álcool, e lembram o que falei do André criança? Pois é, imagine esse tipo de pessoa, bêbada... Momento escuro. Mão molhada. André passa a mão molhada na boca, que é a fonte do líquido viscoso que encharca seus dedos. Acordou e olhou ao seu redor. Reconheceu a casa do sítio, e aos poucos foi lembrando da pá, da idéia de felicidade... Esboçou um sorriso juvenil, como se risse da própria inocência, da imbecilidade de achar que uma frase feita poderia trazer-lhe felicidade. Ah, os efeitos do álcool... Riu de verdade, soltando aquele arzinho pelo nariz. Olhou a fruta-do-conde em cima da mesa, fez um movimento de desaprovação com a cabeça ao perceber que a parte branca da fruta estava toda espalhada pela mesa, e a caneta enfiada dentro da fruta. Pelo visto, a idéia de plantar um caroço da fruta para nascer um pé de fruta-do-conde não foi bem sucedida. Olhando bem, os caroços pareciam riscados, como se tivesse tentado escrever na fruta. "Se fosse uma pêra ou uma maçã, podia pelo menos tentar ler o que tentei escrever...", pensou. Mas não era. Riu. Uma azia, daquelas de ressaca, subiu-lhe o peito, e ele, ao passar a mão em seu tórax, percebeu que ali, na bolsa canguru, estava o caderno, onde deveria ter usado a caneta para obter uma escrita melhor do que onde foi utilizada. Riu novamente, soltando ar do nariz e balançando a cabeça para os lados, como sinal de reprovação. Olhou a pá, toda suja de terra. Suja de terra? Mas o caderno e a fruta-do-co... Saiu correndo, abriu a porta e olhou a grama. Havia uma parte onde a terra marrom estava mais aparente do que o belo verde. Jogou-se de joelhos e pôs-se a cavar com as mãos, desesperadamente.
Não é preciso dizer que, ao tentar buscar a felicidade ditada pelos outros, acabou encontrando a frustração e a tristeza. Um bebê roxo, com terra no corpo todo, inclusive nos pulmões; um adulto com uma abertura bonita na cabeça, programada pelo cérebro atingido, que insistia em sair cada vez um pouquinho mais. Não sei se ficou claro, mas André pegou a pá e acertou-a diversas vezes em sua cabeça, até perder a consciência e cair semi-morto. Depois de esvair-se em sangue e pedaços de cérebro, passou para a condição de morto. E se quiserem aguardar alguns meses, a mãe da criança também irá protagonizar um lindo suicídio. Mas por enquanto, por hoje é só, pessoal!!

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Barca salvadora

Uma canoa estreita
Por onde o náufrago entrou
Foi salvação perfeita
Para o perdido senhor

Encontrava-se tão só
Delirava aos prantos
Na terra do puro branco
Em sua garganta um nó

A foice camuflada
Na vazia saleta
Foi logo açoitada
Por golpes de buceta

Juntos fizeram comida
Sorriram mais uma vez
E vou falar pra vocês
Após comer foi comida


quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Vai fundo, garoto... ao fundo do poço!

Tu que sempre achaste que eras irreverente
E descobriste tua mediocridade, aceite.
Isso não te faz uma pessoa melhor,
Mas um medíocre consciente.

Deu um estalo na mente
Merece um tiro na testa
Agora que estás ciente
Que tua vida não presta

Tu não és mais do que
Enganação: tua boca seca
Teus olhos úmidos
Mostram apenas o choro
Do ser humano pútrido

E as idéias recorrentes
Cascata vermelha
Pintura abstrata
Automática.

Escrever teu fracasso
Na segunda pessoa
É uma ótima fuga.

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Samambaiis acha que está gordo...



Prazer

Sete e meia da manhã. Faltam ainda trinta minutos pra porra do mercado abrir. Passo lentamente em frente ao mercado, no passo das sete e meia da manhã, e vejo muitos deles, a grande maioria é de velhos, amontoando-se em frente ao portão, fechado ainda. Dá para acreditar em uma sociedade onde as pessoas formam filas para entrar no mercado uma hora antes de o mesmo abrir? Romero estava certo.
Como estava a caminho de casa, pensando em bater uma punheta para relaxar, e quem sabe, dormir, ou trabalhar, depende de como a gozada vai me fazer sentir, comecei a pensar se tem algum sentido essa fila para entrar primeiro no supermercado. Não é possível, tem que ter alguma compensação. Os produtos não fogem das prateleiras. Não vai acabar tudo no mercado. Tem que haver alguma recompensa para o primeiro, ou os primeiros a entrar no supermercado. E como o ser humano é complexo, e quase sempre hedonista, mesmo que não se reconheça como tal, assim como existe prazer bebendo mijo, comendo merda, lambendo meia-calça, vai que entrar primeiro no supermercado dê um tipo de orgasmo que nem os asiáticos malandrões do Kama Sutra descobriram?
Esse pensamento veio acompanhando, é óbvio, pela lógica: muitos velhos ou pessoas que você julga serem feias (ok, opinião minha, mas passe em frente ao supermercado; mesmo beleza sendo relativo, haverá um consenso). Ou seja, pessoas que não devem transar. A velhinha, coitada, ninguém procura mais pra tocar aquela siririca nervosa dos idos tempos, da aurora da vida. O velhinho não consegue mais fazer o pau subir nem pela buceta (ou nem pelo caralho, dependendo da opção sexual do idoso). Pessoas feias transam quando querem. Mas vai que são religiosas... aí tem que esperar a pessoa certa, e pluft. Morre sem foder.
Então, para essas pessoas, cujo prazer não é comumente obtido via sexual (sim, pessoas feias transam, eu sei; viagra existe pros velhinhos, eu sei; e velhinhas podem se tocar, eu sei. Falaremos de um modo grosseiramente clichê, e este é o contrato que eu e você, caro leitor, temos - se não gostou, foda-se), a reunião antes do mercado abrir pode significar alguma coisa.
Uma primeira opção seria algo místico, tipo: abre-se o portal do prazer às 8 da manhã em ponto, que se encontra exatamente no portão do Guanabara, e o primeiro que entrar sente tanto prazer que acaba gozando, ou pelo menos sentindo aquela dormência meio cócegas, gostosa, levando ao cérebro a idéia de êxtase, e a pessoa fica feliz, relaxada.
A segunda opção é que o supermercado geralmente é um lugar grande pra caralho. Se a pessoa entrar em um horário comum, entra, faz suas compras, caminha normalmente pelo supermercado e sai. No entanto, chegando meia hora antes, ficam ali, todos próximos ao portão, aglomerando-se, com pequenos movimentos que visam a preencher mais a frente ou melhorar a ergonomia de suas posições. Esses pequenos movimentos acabam gerando uma histeria roçativa, e o roçar dos corpos pode ir causando aquela subida de ânimo pelas entranhas. Quando abre o portão, os corpos roçam-se com maior animação, e a freqüência dos movimentos aumenta, e quando todos estão tão grudados que não sabe-se mais o que é mão de um, calça de outro, o êxtase ocorre e aquela multidão tem uma descarga de prazer ao entrar no mercado.
Acho que isso poderia ser usado como slogan: "Hoje o supermercado abre mais tarde, às 9 horas. Você, que acorda tarde, terá a oportunidade de ser um dos primeiros a entrar no mercado! Chegue cedo e garanta seu orgasmo! Prazer garantido ou seu dinheiro de volta!" Sei lá, alguma merda do tipo.
Enfim, acho que enquanto meu pau estiver subindo, e meus dedos não caírem de lepra, e minha língua continuar fuçadeira, mercado, pra mim, só depois de já aberto. Mas quem quiser testar a teoria, só chegar, no Guanabara mais próximo da sua casa.