terça-feira, 20 de setembro de 2011

Maldita greed! Parte 1

Pedro fora uma criança feliz e saudável (ao menos era isso o que diziam quando ele era uma criança gorda - vocês sabem, o conceito de saudável sempre muda com o tempo; hoje, saudável não existe mais). Ele vivia vendo TV, jogando videogame e vez ou outra jogava bola com os amiguinhos da rua (porque na época dele, crianças, mesmo gordas, jogavam futebol na rua, embora tivessem, obviamente, desvantagens na hora de correr). Ruivo, cheio de sardas e gordo; além de ser alvo fácil de piadas, tinha um sorriso cativante, até mesmo quando zombavam dele, e geralmente suado e com a boca cheia de bochecha, pedia, rindo, para pararem quando percebia que não estava gostando da brincadeira.
Tudo isso, obviamente, não nos interessa em nada, a não ser por tratar-se de uma apresentação básica do personagem. Mas ele poderia ser preto, ruivo, gordo, magro, qualquer merda; o importante é o que vem depois. Mas falar de suas características e prolongar a história curtíssima faz parte de todo bom escritor - e como podem ver, neste caso, de todo escritor de merda também! Pois bem, Pedro tinha um sonho quando era criança, que persistiu com a chegada da adolescência; esse sonho não era zerar nenhum jogo de videogame, nem mesmo ser jogador de futebol, como a maioria dos outros moleques. Seu sonho era participar de um daqueles programas onde ganha-se um minuto para fazer as compras no supermercado. Não que ele tivesse consciência de que fazendo isso economizaria uma boa grana aos pais - longe disso; ele apenas refletia a sociedade de consumo na qual vivia, onde ele sempre queria coisas (muitas delas sem qualquer serventia a ele, mas não era isso o que a propaganda dizia, era?), e um supermercado era o local onde tinha de tudo - lógico que ele pensava naquelas grandes lojas, e não em supermercados - : TVs, minisystems, comida, porcarias (era assim que seus pais chamavam aquilo que ele tanto gostava... ele achava engraçado ver algo que ele descreveria como "delícia" ser nomeado de "porcaria"), peixes, etc. Ele pensava nas idas ao supermercado com seus pais, a quantidade de coisas que ele pedia, e seus pais negavam; as embalagens coloridas de biscoitos que vinham com tatuagens dentro, ou pequenos bonecos. Sempre foi fascinado por brindes; comprar uma coisa e ganhar outra legal. Um minuto para tirar de suas costas todo esse peso da angústia de não poder comprar tudo aquilo que queria. Ter um minuto para mudar sua vida, poder pegar TUDO o que ele quisesse, sem alguém para barrar a entrada no carrinho de um produto que "não serve para nada e é muito caro!" Ele sonhava com esse minuto... apenas UM minuto seria o suficiente.
Pedro cresceu, mas a ideia não o abandonara: a fixação em participar de um programa desses só aumentava na proporção inversa dos programas, cada vez mais fora de moda, que escasseavam ao zapear a TV já nos meados dos anos 90. Afinal, não falei, mas ele nasceu na década de 80, e estava já com seus 10, 11 anos talvez. Muito mais magro do que quando era a criança gordinha da introdução, Pedro treinava corrida em seu tempo vago. Não ia para uma pista, ou para praia, nem lugar nenhum isolado. Corria na rua, indo de uma calçada a outra, encostando em um portão de um lado, e logo passando para o outro lado da rua, para encostar em outro portão e seguir esse zigue-zague contínuo. Ele não dizia a ninguém, para não parecer maluco, mas era óbvio que ele treinava em segredo, com uma ponta de esperança de participar de um programa que o desse um minuto em um supermercado.
Depois de um dia de correria desses, Pedro, ainda ruivo, ainda branco, ainda suado, apenas mais magro, chega em casa, cansado, e vai, com suas mãos sujas de ferro de portão alheio, pega um pão, abre com os dedos e abre a geladeira para pegar um requeijão, um queijo ou qualquer gororoba que pudesse colocar naquela massa para que ficasse com gosto - e tirasse o gosto de ferrugem que seus dedos colocaram. Sua mãe, de costas, no fogão, diz:
- Pedro?
O moleque não responde, pega o requeijão e sai para pegar a faca ao lado da pia. A mãe olha para o lado e confirma que é ele mesmo.
- Pedro... tô falando contigo...
- Que foi, mãe? Não enche! Já lavei as mãos! - mentiu, achando tratar-se de mais uma daquelas frases manjadas de mãe, e mostrando já que os hormônios e o desejo por bucetas e peitinhos deixavam sua infância de gordinho simpático para entrar na adolescência impaciente.
- Há! Mas não lavou mesmo! Duvido até que tenha tomado banho essa semana! Agora, ô maloqueirinho corinthiano, era só pra te avisar que chegou carta pra você...
Pedro mordia o pão, já recheado enquanto eu escrevia esses diálogos.
- Pfffra mim? - estranhou, de boca cheia o garoto - Onde?
A mãe fez um gesto com a mão esquerda, como que apontando para as costas dela. Pedro imaginava que estava em cima da mesa, mas sentia uma necessidade de perguntar tudo minuciosamente para a mãe. Dessa vez, que estava com a boca cheia, resolveu fazer um esforço: olhou rapidamente a mesa, e viu um símbolo que achou ser da TV Bandeirantes. Estranhou e pegou. Com o pão em uma mão e a carta na outra, era impossível abrir o envelope naquele momento para um ser com duas mãos. Mas não para Pedro! Não que ele tivesse uma terceira, mas colocou o pão na boca (eu escrevi pão!), segurando-o como um cachorro segura seu alimento, e rasgou cuidadosamente o envelope - e sentia uma leve taquicardia tomar seu corpo. Ao abrir, retirou o papel de dentro e o que ele imaginava confirmou-se: era o convite para participar de uma competição de um programa daqueles, na qual o vencedor ganhava UM MINUTO dentro do supermercado para pegar o que PUDESSE. Friso a palavra "pudesse" pois não era para pegar apenas o que "quisesse". Se já pegou tudo o que queria, e "pode" pegar mais, vai lá, campeão, o supermercado é seu! Pedro deu um urro - e desafinou no meio do urro, saiu aquela vozinha fina no meio do grito. Culpa dos hormônios, bucetinhas e peitinhos em sua mente - e sua mãe quase o queimou com a colher que usava no momento para mexer a comida, para ensinar-lhe a não gritar feito um louco, para não parecer louco. Mas ela só ameaçou. Pedro saiu pulando e falando que tinha sido chamado para o tal programa, mas ninguém sabia que programa era aquele, então a felicidade dele era uma felicidade solitária, e ele estava pouco se fodendo para isso, afinal, ele tinha a chance de ganhar o minuto mais feliz de sua vida (mas ainda era apenas uma chance... ele precisava vencer o jogo).

OBS: Aqui termina a parte 1, e realmente esqueci a palavra greed em português, mas sei que é realmente essa palavra que eu quero dizer e dar nome ao texto.

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