sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Memórias

Tô no 624. Um casal de coroas senta atrás de mim. Tô lendo O Beijo da Mulher-Aranha, mas a mulher fala alto, tá me atrapalhando. A conversa deles fica mais forte que o livro, e o fecho por um tempo. Papos de velho rolando, aquelas coisas sem grandeza, comentários simples, combinando até com o trânsito lento da Intendente Magalhães... Eis que a coroa, toda sapeca:
- Já estivemos aqui. Lembra?
O velho coça a cabeça, olha pra direita (eu não vi, já que estavam atrás de mim, mas imagino que foi assim). Franze a sobrancelha numa quase negativa.
- Olha pro outro lado... - diz a velha, calmamente.
O cara olha. Tem uns carros e três motéis, em seqüência. Eu já saquei, mas o velho não.
- Você estudou numa escola aqui?
Quase me viro e faço uns gestos tipo o Jim Carrey no O Mentiroso, mas seguro e confio. A coroa dá mais dica, e fala numa voz insinuante:
- Nós almoçamos em um restaurante aqui perto, um dia... Lembra?
- Restaurante??
Cara, alguém taca óleo na memória desse cara... Tá foda.
O coroa tava pensando ainda em restaurante quando, penso (e visualizo mentalmente), a coroa arqueia as sobrancelhas, fecha bem a boca e arregala os olhos, quase apontando com a cabeça para os motéis que passaram à sua esquerda. Aí o coroa captou.
- Aaaaaaahhhhhhhn... HEHEHE
E deve ter coçado o bigode, confiante; o mesmo bigode que, sabe-se lá há quanto tempo, guardou resquícios de odores selvagens. E sorri.
Ela agarra o braço dele e bota a cabeça em seu ombro, enquanto ele continua com seu sorrisão, com o olhar perdido naquele tempo que passou.

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