segunda-feira, 23 de novembro de 2015

910 ou A volta ao mundo passando por Madureira

Segunda-feira chuvosa, melhor dia para uma história triste... Ela é verídica, e aconteceu há quase 20 anos atrás, quando o nosso protagonista tinha seus 12, 13 anos. Vou chamá-lo de Efe. E agora começa a história.
Efe era um rapaz recém-chegado ao Rio de Janeiro: morou a infância toda em uma pequena cidade do interior paulista, a qual tinha como referência de cidade. Na mudança para a capital carioca, percebeu que tinha que mudar seus parâmetros: foi à Penha e achou que tinha ido ao Centro (porque tinha um calçadão e comércio...), ia a um bairro mais distante e achava que tinha viajado a outra cidade, essas coisas. Mas enfim, foi aprendendo a se locomover na metrópole.
Um certo dia, os pais de Efe deixaram ele na Ilha do governador, por algum motivo que não lembro, e disseram que na volta, era só pegar o 910 (Freguesia - Madureira), que "passa em frente à estação de braz de pina", disse a mãe de Efe. Ok.
Efe pegou o 910 na volta para casa. Ele passou por alguns bairros, e quando chegou na Penha, sabia que estava próximo a braz de pina (sim, o caminho reto da casa até a estação de seu bairro ele conhecia bem!), ficou atento. Quando chegou na rua do antigo Dallas (supermercado), o ônibus tinha duas opções: seguir reto e chegar na estação de braz de pina (caminho que ele conhecia); ou virar à esquerda do Dallas e seguir por um caminho totalmente desconhecido para Efe. O ônibus virou à esquerda... Efe seguiu tranqüilo... Quer dizer, deu aquela levantada e olhou para trás, vendo o caminho que ele conhecia ser abandonado, mas pensou: "minha mãe falou que passa em frente à estação de braz de pina. Vai passar em frente à estação." Sentou novamente, com um sorriso nervoso, pensando que o ônibus chegaria onde ele queria, apenas por um caminho diferente. Após cinco minutos ele percebeu que não passaria, a fé na promessa materna se desfez, mas ele continuava tranqüilo. Ele lembrava que o ônibus ia para Madureira! Ora, na rua dele tinha um ônibus, 940, que era Ramos - Madureira, e sempre que ele pegava o ônibus, o trajeto não demorava mais que cinco minutos (ele ia de braz de pina à estação de braz de pina...), e, óbvio, pensou ele, Madureira devia ser pertinho de casa, porque o trajeto do ônibus não podia ser bem maior do que ele utilizava (puta que pariu, como podia ser tão burro e egocêntrico???). Conclusão: pensou que melhor do que descer e andar um pouco mais, seria descer em Madureira e pegar o 940 para descer em frente à sua casa. Uma lágrima chega a escorrer quando releio o que acabei de escrever.
Passaram dez minutos, quinze, vinte minutos, meia hora... E Madureira não chegava. Começou a bater aquela aflição: "caralho, eu nem sei o que é Madureira, se matam pessoas a toa por lá, fudeu!" (Anos 90 no Rio... Matavam por qualquer coisa... Ao menos no O Dia mostrava isso). Maluco, o 910 passava em Bauru mas não chegava em Madureira. Depois de mais de uma hora, puta que pariu, o ônibus para no que parecia ser uma grande excursão a um banheiro gigante; não, não tinha privada, nem pia, apenas um cheiro de mijo impregnado no local, e uma fila de ônibus. Definitivamente, o ponto final.
Efe estava exausto pela viagem, perdido, sem saber o que fazer. Procurou o 940 rapidamente, não viu, mas viu um orelhão. Ligou a cobrar pro pai. Pediu para ser resgatado ( o fôlego estava acabando), tinha ficado preso por horas na merda do ônibus. O pai mandou ele pegar o 940. Bateu o telefone do orelhão, desolado. Perguntou pelo ônibus, achou. Pegou o 940 de volta para a casa. Passou mais duas horas no ônibus: conversou com o trocador, aprendeu o que eram os números que eles falavam pro fiscal (a hora de saída do ônibus do ponto final), aprendeu que "bola bola" é hora cheia, dois zeros... Enfim, poderia ser trocador de ônibus por conta dessa viagem. Teve tempo para dormir no ônibus também. Teve tempo para sonhar. E na verdade, ficou preso em um vórtex que o leva de Madureira para Ilha, da Ilha para Madureira, depois de Madureira para Ramos, de Ramos para Madureira, daí para a Ilha, etc. E continua com o olhar perdido de criança, mesmo velho.
Mentira.
E chegou em casa.
Perdeu um dia inteiro de vida nos ônibus que levam para ou saem de Madureira.
Depois desse desabafo, assumo, a criança era eu. E acho que isso explica o porquê de, mesmo lotado, prefiro pegar o BRT do que pegar ônibus para Madureira...
Vai terminar assim, sem final, triste, como foi esse dia.

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