Segunda-feira chuvosa, melhor dia para uma história triste... Ela é
verídica, e aconteceu há quase 20 anos atrás, quando o nosso
protagonista tinha seus 12, 13 anos. Vou chamá-lo de Efe. E agora começa
a história.
Efe era um rapaz recém-chegado ao Rio de Janeiro: morou
a infância toda em uma pequena cidade do interior paulista, a qual
tinha como referência de cidade. Na mudança para a capital carioca,
percebeu que tinha que mudar seus parâmetros: foi à Penha e achou que
tinha ido ao Centro (porque tinha um calçadão e comércio...), ia a um
bairro mais distante e achava que tinha viajado a outra cidade, essas
coisas. Mas enfim, foi aprendendo a se locomover na metrópole.
Um
certo dia, os pais de Efe deixaram ele na Ilha do governador, por algum
motivo que não lembro, e disseram que na volta, era só pegar o 910
(Freguesia - Madureira), que "passa em frente à estação de braz de
pina", disse a mãe de Efe. Ok.
Efe pegou o 910 na volta para casa.
Ele passou por alguns bairros, e quando chegou na Penha, sabia que
estava próximo a braz de pina (sim, o caminho reto da casa até a estação
de seu bairro ele conhecia bem!), ficou atento. Quando chegou na rua do
antigo Dallas (supermercado), o ônibus tinha duas opções: seguir reto e
chegar na estação de braz de pina (caminho que ele conhecia); ou virar à
esquerda do Dallas e seguir por um caminho totalmente desconhecido para
Efe. O ônibus virou à esquerda... Efe seguiu tranqüilo... Quer dizer,
deu aquela levantada e olhou para trás, vendo o caminho que ele conhecia
ser abandonado, mas pensou: "minha mãe falou que passa em frente à
estação de braz de pina. Vai passar em frente à estação." Sentou
novamente, com um sorriso nervoso, pensando que o ônibus chegaria onde
ele queria, apenas por um caminho diferente. Após cinco minutos ele
percebeu que não passaria, a fé na promessa materna se desfez, mas ele
continuava tranqüilo. Ele lembrava que o ônibus ia para Madureira! Ora,
na rua dele tinha um ônibus, 940, que era Ramos - Madureira, e sempre
que ele pegava o ônibus, o trajeto não demorava mais que cinco minutos
(ele ia de braz de pina à estação de braz de pina...), e, óbvio, pensou
ele, Madureira devia ser pertinho de casa, porque o trajeto do ônibus
não podia ser bem maior do que ele utilizava (puta que pariu, como podia
ser tão burro e egocêntrico???). Conclusão: pensou que melhor do que
descer e andar um pouco mais, seria descer em Madureira e pegar o 940 para
descer em frente à sua casa. Uma lágrima chega a escorrer quando releio
o que acabei de escrever.
Passaram dez minutos, quinze, vinte
minutos, meia hora... E Madureira não chegava. Começou a bater aquela
aflição: "caralho, eu nem sei o que é Madureira, se matam pessoas a toa
por lá, fudeu!" (Anos 90 no Rio... Matavam por qualquer coisa... Ao
menos no O Dia mostrava isso). Maluco, o 910 passava em Bauru mas não
chegava em Madureira. Depois de mais de uma hora, puta que pariu, o
ônibus para no que parecia ser uma grande excursão a um banheiro
gigante; não, não tinha privada, nem pia, apenas um cheiro de mijo
impregnado no local, e uma fila de ônibus. Definitivamente, o ponto
final.
Efe estava exausto pela viagem, perdido, sem saber o que fazer.
Procurou o 940 rapidamente, não viu, mas viu um orelhão. Ligou a cobrar
pro pai. Pediu para ser resgatado ( o fôlego estava acabando), tinha
ficado preso por horas na merda do ônibus. O pai mandou ele pegar o 940.
Bateu o telefone do orelhão, desolado. Perguntou pelo ônibus, achou.
Pegou o 940 de volta para a casa. Passou mais duas horas no ônibus:
conversou com o trocador, aprendeu o que eram os números que eles
falavam pro fiscal (a hora de saída do ônibus do ponto final), aprendeu
que "bola bola" é hora cheia, dois zeros... Enfim, poderia ser trocador
de ônibus por conta dessa viagem. Teve tempo para dormir no ônibus
também. Teve tempo para sonhar. E na verdade, ficou preso em um vórtex
que o leva de Madureira para Ilha, da Ilha para Madureira, depois de
Madureira para Ramos, de Ramos para Madureira, daí para a Ilha, etc. E
continua com o olhar perdido de criança, mesmo velho.
Mentira.
E chegou em casa.
Perdeu um dia inteiro de vida nos ônibus que levam para ou saem de Madureira.
Depois desse desabafo, assumo, a criança era eu. E acho que isso
explica o porquê de, mesmo lotado, prefiro pegar o BRT do que pegar
ônibus para Madureira...
Vai terminar assim, sem final, triste, como foi esse dia.
ROBOTS 5.2 : 1985-1989
Há 2 meses
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