segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Largo do Machado

A vida o cansa, e não é de hoje.
Já não agüenta mais ver erros alheios lhe causando feridas. Algumas apenas criam casquinha e somem; outras deixam suas cicatrizes; e há ainda as que ficam abertas, em permanente putrefação.
Seu corpo já está um pouco castigado, e passa da idade de fazer alguma coisa. Avança para os seus 30, em velocidade cada vez mais rápida. E quanto maior a velocidade, menos reflexo apresenta para evitar erros.
Seus 30 anos. Nunca quis chegar aos 30. Gostaria de pegar AIDS, um câncer, tuberculose... E mesmo assim, essas merdas são lentas como as vertigens de quando sentimos a língua dormente, e o mundo girando. Não o saciariam.
Suicídio nunca lhe pareceu errado. Não crê em kardecismo, cristianismo, ou bosticismo qualquer. Se está cansado de si mesmo e daqueles que o cercam, ou mata alguém, ou se mata. Simples assim, e belo também.
Algo dentro dele pede que ponha para fora seus sentimentos de ódio acumulado por todos os anos. O garoto quietinho, que é tão amável, atencioso e inocente; o garoto diferente; o garoto com o futuro promissor! Ah, mas isso não fica assim. Difamação a vida inteira, pois veja, o garoto mudou! Ele odeia muitos! Muitos!
Com certeza, o que ele quer é ser um crenticida. Entrar em cada igreja e matar aqueles que realmente acreditam no que dizem. Que não apresentam dúvidas ao dizer “O Homem foi feito de barro, à semelhança de Deus!”. Porra! Eles não sabem sequer o que é metáfora! Eles precisam ser banidos da Terra, para baixo da terra. Eles, que matariam defendendo sua causa. Os que tentam espalhá-la. Não pode existir outro futuro para eles.
Mas não, ele não se contentaria em atirar contra essas pessoas, a esmo. Ele poderia descarregar um pente de revólver neles, e isso não o faria sentir-se vingado. O ódio deve ser descarregado de forma cruel, e não de maneira automática, como uma pessoa que transa sem sentir tesão pela outra pessoa, apenas por gozar, ou pelo próprio ato. Perde a graça. Quinze balas no rosto de um infeliz, e ainda apertaria o gatilho mais 4 ou 5 vezes, até perceber que a munição acabou, e que ainda estava com ódio.
Os homicídios devem ser mais brutais. Pode usar uma máquina construída pelo ser humano, desde que você a use, realmente, não bastando apenas utilizar um dedo, como em uma arma de fogo.
Um machado, para ele, é o ideal. Acertar a vítima em um ponto não-vital, apenas para começar a sentir o gosto do sangue jorrar, trazer alegria aos olhos. Depois divertir-se com a presa, como um gato faz com a barata, jogando-a de um lado ao outro com as patas. Corte um braço, ameace, bote força no machado para fazer a pessoa urrar de dor.
Quem sabe isso amenize o ódio sentido. Você acaba de descarregar o seu ódio em alguém, que acaba de pagar por tudo aquilo que você sofreu. Essa é a tática mais usada por todos. Bode expiatório. Quem sofre nunca entende o porquê de ser ele. Mas foda-se. A vida é assim.
O mesmo serve para o suicídio, em sua opinião. Mas no caso, evitar o sofrimento é essencial, ou você acabará desistindo, e será apenas um seqüelado, e desonrado, pois nem mesmo concluiu o serviço direito. Mas não tente tirar sua mísera e porca vida com uma arma de fogo. É tão covarde. E será agora.
Ele pega o machado, olha para sua lâmina, que reluz a sua imagem, triste. Assim, ele consegue a certeza desejada para saber que é a hora certa. Levanta-o, com as duas mãos, olhando para as pernas. Pára. Pensa. Se acertar as pernas, pode sentir tanta dor, não conseguir mais levantar, e ele poderá não ter força, impulso, posição correta para finalizar. O machado continua erguido, atrás do lado direito de sua cabeça. Sorri, com o canto esquerdo da boca, deixando aparecer uma covinha no lado oposto. Seus olhos estão úmidos, e ele percebe que, se continuar a pensar, não fará direito o serviço. Fecha os olhos e lágrimas escorrem em seu rosto, pensativo. Sua face mostra-se por um segundo, nervosa, e o machado, agora segurado apenas com a mão direita, vai para trás, para pegar impulso, a mão se dobra para que a lâmina fique paralela ao chão, e a mão faz um movimento reto, como se ele desse um soco para frente.
Seu pensamento é o de que o movimento da mão, neste último gesto, lembra-lhe Cavaleiros do Zodíaco. Os olhos reviram-se. A tampa de sua cabeça, com cabelo e um pouco do cérebro, caem no chão do quarto. A expressão nervosa vira um rosto abobalhado, e seu corpo cai no chão.
É nesse momento, já sem sentido algum, que a mão se abre, e largo do machado.

Um comentário:

Fabio disse...

Já leu Marques de Sade? Sinceramente: A sua cara.
Parabéns pelo conto. Angustia viciante.
Ah, e quanto ao meu blog, o texto foi editado; valeu por lembrar.
Mas quem brilha nesse post é a Mary.
Eu não teria sido mais polêmico.
hahahaha