No final de 2008, enquanto fazia minha monografia sobre a personagem Zé do Caixão, tive a oportunidade de bater um papo rápido com o Mojica, no salão do hotel em que estava hospedado, no Flamengo.
Em um papo meio nervoso, por estar diante de uma entidade do cinema brasileiro, e precisar preencher algumas lacunas que ficam confusas em sua biografia, saí satisfeito de conversar com o Mojica. Um grande contador de histórias. Transcrevi abaixo a gravação que fiz no dia.
Um grande salve ao grande diretor/ator! Fez história e influenciou muita gente no cinema (no Brasil e no mundo)!
Entrevista Exclusiva com José Mojica
Marins, Outubro de 2008.
Eu: Eu queria que você
falasse um pouco sobre a temática religiosa, já que você começou com um filme
sobre um terreiro de macumba, que é o "A Encruzilhada da Perdição e
Feitiçaria". Pra você, o tema "religião" é importante?
Mojica: É... eu acho que
a formação católica minha foi muito grande, desde criança. E eu por ser criado
dentro de um cinema, nos fundos, logo aos 3 anos meu pai foi tomar conta do
cinema... Você com 3, 4 anos, não tinha televisão, nem computador. O cinema era
enorme! Da onde eu era, o cinema cabia 1500 pessoas, a tela era enorme. Você
vendo e tal... eu fui pegando aquilo, né. E aos 10 anos, no lugar de uma
"bicicreta" que meu pai ia me dar, eu quis uma câmera. Foi quando eu
peguei e fiz um curta, mas baseado... eu via muito falar na igreja de religião,
de fim de mundo, e lia muita história em quadrinho. As "história" em
quadrinho mostrava (provavelmente nomes de heróis, 1' 42'') aquelas coisa toda.
Aí eu fiz “Juízo Final”, aonde acho que daí nasceria os tais dos “caixão”,
porque tipo, o que eu pus de disco era caixão voando. Os “caixão voava” e
conforme eles “vinha” assim, eles mandavam a luz para baixo e a pessoa que era
boa... desaparecia. Era como se fosse realmente para um outro mundo, e os “ruim”
ficavam “parado”, era num jantar, num pique-nique, num salão de baile. Os maus
ficavam petrificados. E aí iam apodrecendo, virando vermes. Eu me lembro que
meu pai ficou apavorado, porque eu ofereci um ingresso por cada quilo de vermes
de goiaba. E a criançada saiu feito louca, então trouxeram sacas e sacas de
vermes, né. E aí eu tive que fazer um negócio bem exagerado, um mundo de verme
até desaparecer na terra, e aí eu criei pela primeira vez, descobri a fusão.
Descobri que voltando o filme e filmando outra vez saía uma fusão. Então por
isso que o pessoal dizia que eu tinha uma linguagem... eu nunca estudei, fui
fazendo na prática o cinema. Eu achava aquilo muito legal, as fusões então...
ficava aqueles vermes, se “transformava” numa grama, e dessa grama saía um
grupo de garotos correndo, né. E aí como morava num cinema, eu fiz realmente o
filme em 16 mm e o meu pai todo orgulhoso... filho único... meu pai foi
toureiro, minha mãe cantora de tango... eram artistas, né. E ele se dava muito
com o padre, então a primeira coisa que ele fez foi chamar o padre para ver o
filme. Aí passaram realmente no projetor, 16 mm. Só que com o padre veio o “sancristã”,
coroinha, na época tinha “filhas de Maria”, e o cinema lotou. Aí meu pai ainda
pôs uma música sacra pra ver se fechava. E o padre ficou assim... porque eu
tava mais ou menos condenado pela igreja.
Porque ao fazer um ano antes, eu era... eu puxava o saco do meu pai,
porque a igreja precisava sempre fazer aqueles espetáculos “beneficientes”
aquela coisa toda, né. Então o padre me pôs pra dirigir uma peça infantil, uma
versão de “Branca de Neve”
,
e como a menina não gritava, eu fazia ela cair, e o caçador quando chegava
perto ela tinha de gritar. Aí eu mesmo fiz o caçador, só que eu descobri que
ela tinha medo de lagartixa, e peguei uma lagartixa no fundo do cinema, larguei
numa caixa de fósforo e entrei em cena. Quando eu pus a lagartixa, ela abriu o
berreiro e nossa... todo mundo aplaudindo! Só que aí “subiu” os pais, ela
começou a gritar, mas não dava mais, aí ficou até mudo, ela começou a rasgar
toda a roupa, aí os pais dela “subiu”, foi aquela bronca, o padre e tal. E aí
tava de mal assim, o padre me cortou de fazer qualquer coisa na igreja, tal. Aí
eu quis fazer essa fita pra ver se sensibilizava o padre. Mas ele ficou assim
quando terminou, tava seis cadeiras, se levantou, e eu fui todo assim, dando
interpretação de inocente e falei "é agora... meus 15 minutos de
fama". Aí ele me pôs a mão na cabeça, e eu falei "Deus do céu! O homem
gostou demais." Mas aí ele voltou pro meu pai e falou: "Seu Antônio,
seu filho é um débil mental!" E aí começaria realmente, a fazer uma série
de fitas... tudo feito por gostar, né. Eu via negócio de macumba, então achava
legal; eu ia assim num velório, né.. que era “velado” uma pessoa, via todas
aquelas pessoas, “aqueles enterros”... e comecei a gostar “pelo gênero”. E
muito cedo, vendo histórias em quadrinhos, tinha as revistas de terror,
colecionava tudo. Gostava das fitas do Boris Karloff. Até ganhei ultimamente um
anel da filha do Boris, que eu uso quando faço o Zé do Caixão. Conheci o filho
de Bela Lugosi, o neto de Don Channey. Me senti realizado, né. As fitas que eu
acompanhei né. E hoje eu tô até atrás lá em São Paulo para conseguir todas
elas, as fitas né. Gosto. E acho que por aí começou o lado meu do terror.
Eu: E aí mesmo você já falou
de um ponto que vai seguir ao longo da carreira, que é jogar bichos nas
mulheres.
Mojica: Isso. Aí
começou. Já começou com os vermes (risos)...
Eu: A lagartixa, né...
Mojica: Isso... a
lagartixa foi o primeiro, depois os vermes, aí não parei mais. Foi escorpião,
besouro, taturana, aranhas, ratos, sapos. Então, isso eu faço demais. E essa
daí (referindo-se à "A Encarnação do Demônio") aliás eu pus até minha
esposa porque ninguém tinha coragem de fazer, né. Aí ela tinha que mostrar
realmente...
EU: Foi depois daí que ela
virou sua esposa?
Mojica: Não, não. Ela já
era minha esposa. Por isso que ela topou fazer (risos). Ela tá comigo aí (no
Hotel).
EU: Você tem essa separação
do Bem e do Mal...
Mojica: Tenho.
Eu: Sim. E você fez
realmente (o filme a que ele tinha se referido anteriormente) pra agradar.
Mojica: Sempre. Mas
sempre com uma mensagem, porque sempre o Zé do Caixão acaba ferrado.
Eu: Exatamente. Só que no
"Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver" ele acabou demais, né, que foi
a censura da Ditadura.
Mojica: Foi. É que o
"Esta Noite" teve intervenção da censura né...
Eu: Sim, eu sei. Foi o Augusto
da Costa
que escreveu o final, né.
Mojica: É... Esse cara me
deu o final pra fazer, me obrigaram a pôr uma música religiosa, tal.
Eu: Eu sempre soube que o Zé
do Caixão se dava mal no final, mas no "Esta Noite" é absurdo.
Mojica: Muito.
Eu: Eu queria saber como era
o final antes, que você criou.
Mojica: O final
realmente eu procurei no “A Encarnação do Demônio”, eu consegui esse tal de “Reno”
nos Estados Unidos ele faz o Coffin Joe, ele faz o Zé do Caixão infame. Então
todos os halloween ele se apresenta, tal. De repente eu vi a capa de um jornal,
tava em... Piracicaba. Na capa vinha eu: Zé do Caixão não sei o quê. Falei: “Puta
que pariu”.
Exatamente eu aos 30 anos,
mas não sabia que era o cara. Falei: “Porra, sou eu aos 30 anos, porra. Como é
que eles conseguiram essas ‘foto’, tal. O cara fez as ‘pose toda’, né.” Aí eu
começo a ver, sai revista com ele, tal. “Têm fotos até demais, né. Como é que
esses caras...”
Aí comecei a olhar bem a
roupa. Era tudo igual. Só o medalhão que eu descobri que era diferente. Falei: “Não
sou eu.” Aí comecei a procurar e descobri que ele era, é um americano. Veio
fazer dublê nessa fita porque ele é parecidíssimo comigo, realmente, aos 30
anos. E ele fez um curta agora, que eu vejo, ele se inspirou no “A Meia-noite”,
as ‘música’ do “Despertar”. Ele faz... é gozado, ele faz os curtas lá e ele
fala português. Ele procura imitar justamente as palavras: “Boa noite,
senhorita” tal.
Eu: Sem dublagem, né?
Mojica: Não, ele faz
direto. Só as meninas você vê falando inglês, todos. Mas ele faz questão de
falar... e mais do que nunca, agora que ele teve aqui, foi comigo no Serginho
Groissman, né. Aprendeu a ‘sortar’ pragas, maldição... ele fez aí, fez um
sucesso no Brasil. E veio agora pro lançamento da fita, tal. Tudo por conta
própria. Ele mesmo se ofereceu de vir e a gente trouxe ele. Ele veio aqui, a
despesa dele é toda nossa. Só não pagamos a viagem pra ele. E a única coisa que
ele me pediu foi realmente uma unha original, né. E eu até agora não mandei.
Eu: Não?
Mojica: Não, mas vou
mandar. É que eu não tenho tempo. Tô viajando demais... saio de um evento, vou
pra outro, então não tenho tempo. Mas eu parando vou pegar uma das unhas e
mandar pra ele.
Eu: O “Geração Maldita”, que
era o filme que você ia gravar antes de ter o pesadelo do Zé do Caixão, você já
estava determinado a chocar um pouco o público.
Mojica: Já era. Já era
um filme... O “Geração Maldita” foi muito forte.
Eu: Você acha que o Zé do
Caixão chegou e você, já tava com uma idéia de chocar e você resolveu: “Vou
botar tudo em um personagem só”? O Mal.
Mojica: É. Eu tava... “Geração
Maldita” realmente era a mudança dos jovens que ‘estava’ realmente atravessando
uma outra fase que veio com “Juventude Transviada”, né. Aí a juventude pegando
um outro caminho. Aí eu via “Geração Maldita” assim, como algo que ia
surpreender aqui no Brasil. Eu juntava realmente os ‘mauricinho’ como a gente
chama, lá da Rua Augusta, né, os filhinhos de papai, delegado, político, então,
em... em briga com marginais. Então era um conflito legal, pegar os caras de
favela com os mauricinhos do centro. Essa era a idéia, tal, mas daí veio esse
pesadelo, tava tudo programado pra começar o outro, mas eu falei: “Não! Eu vou
seguir...”. Eu realmente vi aquilo como um aviso, né. Era o que eu gostava...
de terror. Não queria saber de, de repente, a Igreja me condenava, porque
realmente a fita na época foi forte demais, pô! Pra sexta-feira, naquela época,
falar em comer carne era o fim do mundo! Você era considerado o diabo. Basta
dizer que eu fiz e sofri! Eu, quando a fita lançou, não poda sair na rua, que
eu sempre gostei do preto, saía... Nossa! O pessoal se benzia... aí eu precisei
trazer, realmente, na época, um guarda-costa, tudo, porque eu andava com as ‘unha
comprida’ mesmo. Eu só cortei agora depois do “Encarnação”, mas sempre andei
com as ‘unha comprida’. E cortei porque tava atrofiando a mão, e a liberdade de
você ter as mãos livres é muito bom.
Eu: Zé... Mojica... Eu
queria saber sobre a cartola e a capa preta. Eu li no livro (a Biografia “Maldito”)
que você fala que é influência do Drácula, e a cartola é de uma marca de
cigarros, se eu não me engano.
Mojica: Tinha...
cigarros "Clássico"
Eu: E não tem uma...
Mojica:... que vinha uma
cartola... e eu fumava esse cigarro. Vendo a cartola e... o pessoal pegava meu
estúdio e eu não sabia lá que o zelador era... era meio macumbeiro né.
Eu: É. Exatamente. Só pra
completar a pergunta: não tem nem uma ponta de um Exu nessa cartola e na capa
preta? O Exu, brasileiro, já que você sempre mexeu muito com esse negócio...
Mojica: É... a capa, na
verdade, eu peguei a primeira capa original. É, eu peguei a capa realmente, com
um cara de Exu. O cara que praticou negócio de macumba lá de Exu. Esqueceram lá
(telefone tocou).
Eu: Só para voltar à
pergunta, você estava falando da capa preta...
Mojica: É... a capa
preta, eu procurei saber com o pessoal que eu tinha alugado o estúdio que hoje
é o Metrô Santa Cecília. Na época ele era da Organização Vitor Costa (que
depois se tornou a Globo), ai eu aluguei aquilo para fazer “À Meia-Noite
Levarei Sua Alma”, e de repente... eu não sabia que os ‘cara’ a noite
praticavam negócio de macumba, esse negócio todo. E esqueceram essa capa. Aí eu
pego essa capa... eu já tava com o personagem, só que não sabia, já tinha
sonhado, mas não sabia que roupa, eu só via ele preto, como tô agora aqui, né?
Até pus o pijama preto, que eu sentia né... mais ou menos o que eu vi no sonho,
né. Eu fiz uma... essa manta toda de preto, na época o pessoal achou estranho
demais. Aí com aquela capa falei: “Pô. Com o maço de cigarro... tá feito, né.”
Aí a única coisa falei: o medalhão né. Eu fiz lá os símbolos. Depois eu passei
pra “Fênix”, que renasce das cinzas; eu uso um medalhão que simboliza os quatro
poderes, que ‘é’: os olhos de Rasputin, que ‘é’ os olhos, né. Aí eu venho com o
Buda, que era o poder realmente da mente. Eu venho com Cristo (tudo no
medalhão, quatro poderes, né), que é representado com as mãos, ele curava,
então tem uma energia fantástica nas mãos. E Hitler (o qual pronuncia Ítler),
que quase ganha o mundo pela voz, né. Falando com o povo, tal, né. Então são
pra mim considerados os quatro poderes. Então, dessa.... daí nasceram então a
capa, depois eu fui aperfeiçoando mais...
Eu: Inclusive, no “Encarnação
do Demônio”, a capa vem com um desenho que é um símbolo da umbanda, não é? (O
tridente de Exu).
Mojica: É! Eu ponho a
cruz e o tridente de cabeça pra baixo. Aí eu ponho assim nas ‘costa’ ... quer
dizer, na verdade não é costurado na capa, é um negócio que eu mandei fazer né.
Quem me fez foi “Arthur Vi”, que a capa também, né. Fez todos os ‘traje’ da
fita, meu e das ‘menina’. E aí eu achei que o símbolo é esse. Realmente é o
símbolo, né. Eu tenho livros lançados no passado, crônicas de terror, sempre
levando esse símbolo da coisa, então eu usei isso na capa.
Eu: E queria saber outra
coisa. O Zé do Caixão, ele é bem mulherengo. E o Mojica, no início da carreira,
também é, né?
Mojica: Eu fui
considerado um grande mulherengo. Fui casado várias vezes, tenho sete filhos.
Tive 4 esposas, algumas tiveram filhos, outras não.
Eu: E a busca do Zé do Caixão
por um filho, tinha alguma coisa a ver com a sua busca, Mojica, por um filho?
Mojica: Não. Não porque
quando eu fiz “À Meia-Noite" eu já tinha um filho. Então a partir que eu
já tinha filho, não tinha nada a ver. Era realmente um problema dele, da continuidade
do sangue, que é onde eu cheguei à conclusão que é através de filhos, neto, né?
Eu hoje tenho filha que segue meu caminho, que faz a vampira, Liz Vamp. Tenho
neto que já tem tendência artística. Tenho vários... 11 netos! Duas meninas e o
resto tudo homem. Mas eu tenho neto que já dá pra ser... dá pra ter bisneto.
Mas eu achei a flosofia do sangue uma coisa fantástica. Ninguém mais do que o
próprio filho para conseguir... a sua luta, né. Mas eu não forço nenhum
filho... quem não gostou, saiu... eu tenho filha que faz biologia, outra
trabalha com roqueiros, outro foi quase reitor de faculdade, o advogado da
família, um cara inteligentíssimo, professor, tal. Cada um seguindo seu
caminho... outra trabalha com marketing. Cada uma faz o que quer... outro gosta
de ficar fazendo invenções tipo Professor Pardal. E cada um seguiu pra um
canto, eu não decidi em nada... eu fiz como meu pai. Meu pai me deixou livre.
Eu quis seguir isso. Não era esse o caminho que eles ‘queria’. Mas quando ele
viu que eu quis só isso também, não se interpôs, o que era muita coisa.
Eu: E sobre a mistura do
personagem com o criador: José Mojica e Zé do Caixão. Aqui no Brasil foi um dos
primeiros, ou o primeiro. Mais tarde teve o Didi e o Renato Aragão, mas acho
que você foi o primeiro aqui a misturar personagem e criador, porque as pessoas
vêem você como o Zé do Caixão.
Mojica: É... eu acho que
não tem muito a ver. Essas pessoas aí... com as unhas cortadas e tudo... Quando
eu andava com as unhas, tudo bem, o cara: “Ô Zé do Caixão!” e tal. Mas a partir
que eu cortei, eu achei que... não. O pessoal ainda me vê aí: “É o Zé do Caixão”.
E aí eu descobri que possivelmente é mais pela voz. A voz passou a ficar muito
mais marcante, eu não sabia. Mas nas muitas entrevistas que eu venho dando, as
pessoas batem nisso, que a voz ficou marcada... pego no telefone, e o pessoal
diz: “é ele mesmo!” As pessoas costumam achar que a pessoa está enganando, mas
quando eu pego no telefone, eles ‘sabe’ eu dou entrevista, a pessoa acredita,
porque a minha voz, ela realmente é um grave meio fanhoso, diferente, então as
pessoas... marca.
Eu: Queria até pegar outro
ponto agora, que você é conhecido no cinema muito mais como Coffin Joe,
lá fora, infelizmente, do que no Brasil como Zé do Caixão.
Mojica: Não só lá como
na América Latina toda.
Eu: Aqui você foi mais
conhecido como o personagem que ia nos programas de TV. E tanto que você falou,
a voz é conhecida, porque o cinema antes era dublado.
Mojica: Isso.
Eu: O que você acha disso,
do Zé do Caixão um personagem muito mais brasileiro, fazer tanto sucesso lá
fora, e não tanto no cinema aqui no Brasil, que tem aquele negócio do terror
brasileiro.
Mojica: Acho que
exatamente por eu levar um cinema nosso, tupiniquim, levar realmente o nosso
terror, sem imitar os americanos, os europeus, não tem imitação nenhuma, e
mostra que é Brasil mesmo, é daqui. A partir que eu exploro muito a macumba,
essa coisa toda, então as pessoas ‘vê’ que é coisa nossa, e eles gostam disso,
sempre me falam: “Mas todo mundo, cês tem lá... os maiores misticismos estão
lá... as matas ‘fantástica’ do Amazônia e as nossas ‘praia’, e as nossa
mulheres são as mais lindas do mundo!” Cada vez que eu encontro uma no exterior
e falo “aquela!” Quando eu vou conversar com ela, eu acho que é diferente, mas
é brasileira que ganhou bolsa e tá lá fora. Então as mulheres mais lindas são
daqui.
Eu: Mojica, eu queria falar
agora sobre a época que você foi massacrado na Ditadura, quando Zé do Caixão
não podia fazer aparição direta em filmes, e você passou a fazer curtas...
Mojica: E a escola de
Arte dramática que eu comecei em 49 no Sinai, né. Fazendo realmente, ensinando
cinema, arte dramática da maneira que eu aprendi, né. Por isso que não adianta
ninguém me copiar porque minha linguagem é única, né. Os próprios americanos ‘diz’
que é uma linguagem cult. Eu tive lá nos Estados Unidos agora, um cara
falou se eu podia... me trouxe um papel pra ‘mim’ assinar, porque ele ia tentar
fazer: “Eu vou fazer a sua linguagem, mas eu queria a sua autorização”. Fez um
filme lá, bom e tal. Mas.. São Francisco, não tem nada a ver! Já teve
assistente, quando eu fiz “Exorcismo Negro”. A Cinedisc pôs o Adriano Stuart,
pra ser meu assistente, pra aprender de que maneira eu faço. O Adriano com dez
dias trabalhando comigo, falou: “Olha, não dá. O homem faz de um jeito que a
gente nem sabe como é que ele consegue montar. É completamente estranho: ele tá
aqui, tá num close, daqui a pouco ele tá fazendo uma cena que não tem nada a
ver com essa. E depois sai ... Não dá!” E acabou trabalhando aí, no... com a
morte do Jece, a gente teve que trazer ele pra “Encarnação”, né. E aí ele
tornou a falar: “Oh... não tem jeito. Pessoal pode ficar com você grudado, mas
não aprende a maneira como você faz. Quando você morrer, você vai com a sua
linguagem pro cemitério.”
Eu: Queria que você falasse
então sobre a sua vontade de chocar. Quando você não pôde mais fazer filmes com
o Zé do Caixão, acho que deu uma frustração... mas pelo que consta no livro (“Maldito”),
você fez o primeiro filme de zoofilia hardcore do Brasil.
Mojica: Eu usei pela
primeira vez um pastor alemão, que o dono do cachorro... eu vi e falei... o
cara falou: “Olha, tenho X em dinheiro. Eu preciso de uma fita que dê todo o
dinheiro que possa...” e esse era um amigo meu, “e aí eu faço a ‘Encarnação do
Demônio’. Se a fita estourar, eu faço a ‘Encarnação do Demônio’”. Bom, eu
fiquei todo, né... bom, tenho que fazer um filme que desse o dinheiro pra mim,
eu só tava sonhando com o “Encarnação”. Então foi quando, ao mesmo tempo que
ele tava falando comigo, ele tava com um português que tinha um cachorro. Aí eu
acabei pegando, era muito amigo do dono do “Notícia Popular”. Eu sabia que se
fosse falar com o produtor, ele não ia usar o cachorro, mas eu mandei os ‘cara
fotografar’ o cachorro e saí: “O cão não sei o que, pela primeira vez no
cinema, vai explodir...” Porra aí o produtor já veio me procurar, mas eu era um
ídolo. Era como o dono do “Notícia”... que ele nasceu no dia 15 de outubro de
63, no dia que nascia o Zé do Caixão, que eu faria o primeiro programa de
televisão com o Valter Foster, o homem
que deu o primeiro beijo na televisão, e nascia o “Notícia Popular” junto
comigo, né. E aí ‘se’ tornamos assim, como dois irmãos, né, direto... pra mim
foi muito chato quando acabou o “Notícia”, né... as ‘unha sangrenta’, que era
um jornal que era só espremer que saía sangue, né. E aí eu acho que o meu
negócio de chocar sempre me fascinou e eu sempre falei que é o meu sucesso.
Isso mesmo nas fitas que não têm Zé do Caixão, eu sempre ponho coisas
diferentes, e aí, quando era pra fazer uma fita pornográfica eu... já pus
anúncio pedindo as ‘muié mais feia’ do Brasil que fazia pornografia; pus o
cachorro, que o cara dizia que não, mas quando eu pus o cachorro... que eu pus
a mulher pelada, foi só ‘sortar’ o cachorro e o cachorro fez tudo. E aí não deu
outra: a gente ia fazer a continuação com o cachorro, todo mundo caindo em
cima, mas o português envenenou o cachorro... porque ele chegou à conclusão que
o cachorro fazer aquilo, é porque era viciado. Então, a mulher tinha culpa no
cartório... e matou o cachorro.
Eu: E a mulher?
Mojica: Sei lá o que
aconteceu com a mulher... Ele ficava assim olhando: “Não é possível! Meu
cachorro não pode fazer isso...” Mas tava fazendo. Eu falei: “olha, não precisa
nem treinar! Vai trocando aí chassis um atrás do outro e deixa o cachorro.” O
cachorro já entrou nas ‘preliminar’... saiu fazendo tudo! E foi o maior estouro
de bilheteria, mesmo eu tendo as ‘mulher’ mais feias, estranhas, explodiu
mesmo! Aí o cara ganhou, e aí falou: “Não, eu vou fazer...” e aí começou a
querer fazer filme de sexo, aí acabou. Tudo o que ele ganhou, acabou perdendo
tudo. Que saiu daquela novidade, né, passou a ser coisa... cismou de querer
dirigir, aí dançou. Tem hora que ele vem... eu faço uma homenagem no “Encarnação”
pra ele, mas tá... arrasado. Só vive da aposentadoria, R$ 450,00 por mês... Aí
vem sempre em casa, e eu sempre dou um troquinho pra ele.
Eu: Então, queria saber um
pouco sobre o Zé do Caixão na TV, agora. Você primeiro apareceu como jurado nos
programas, né...
Mojica: Fui jurado...
Eu: ... e foi aí que você
ficou conhecido do grande público brasileiro... e fez também o Cine Trash, na
Bandeirantes.
Mojica: Fui jurado, mas
(quanto ao Cine Trash), antes eu tinha feito “Além, muito além do Além”, com
histórias que ‘chocava’; depois fui pra Tupi, fazer... depois vim pra Record,
fazer “O Show do Outro Mundo”, mostrando histórias, e júris polêmicos, como...
tem esse padre aí que é muito polêmico...
Eu: Padre Quevedo.
Mojica: O Quevedo, eu
pus o Quevedo misturado com padre, pastor de júri, então dava aquela polêmica
danada.
Eu: Os freakshows que
você armava lá no galpão mesmo.
Mojica: Eu tive muita
coisa assim... Sou muito chamado em faculdade pra palestra, né. Aí eu tô no
Brasil todo dando palestra, né, e mantenho a minha escolinha. Em São Paulo,
continuo com a escolinha.
Eu: Eu queria
saber... entre os programas, assim, o Cine Trash tinha um pouco a ver... muito
a ver com filmes de terror, só que mais internacionais... e depois você aparece
no Canal Brasil com um programa de entrevistas. Qual você acha que cabe mais
ali, pro Zé do Caixão?
Mojica: O Cine Trash, na
realidade, ele tinha força pelas minhas ‘praga’ que se tornaram famosas, né.
Então o pessoal gostava muito das ‘praga’, era a força realmente do programa, e
ganhei muitos fãs com o Cine Trash. E as ‘fita’ que era considerada trash
mesmo, a gente passava pouco. Eu só não punha as minhas fitas! Aí eu fiz o “Cine
Cult”, na madrugada, tal. E eu acho que vai... peguei um grande público
infantil, que me segue até agora... e depois eu fui fazer Playcenter, as “‘Noite’
de Terror” do Playcenter, quem montou fui eu, né. Aí começou aquele público...
também já vinha aquele público infantil do Playcenter me seguindo, né. Então
acho que Playcenter e os ‘filme’ trash me ‘deu’ essa cobertura de
crianças fantástica, que a audiência era muito grande, perturbou na época a
Globo. De repente me tiraram, o juizado entrou, querendo que o programa fosse
pra madrugada! Por isso que parou... Era às 3 e 15. Eles não acreditavam, aí
começou a dar aquela coisa toda, aquela audiência fantástica. Diz que não tinha
censura, mas entrou o juizado pra dizer que não podia... e eu queria explicar que havia sempre uma mensagem, o mal sempre perdia
nas fitas, né... que era escolhida por causa da mensagem legal... mas
não quiseram saber. Mas depois que eu saí continuou passando fita de terror,
passando na Record, passa na Bandeirantes, de dia e ninguém fala nada... Então
era perseguição mesmo! Agora, você tá querendo fazer uma comparação dos
programas...
Eu: Não, antes deixa só eu
pegar um gancho com o que você falou aí. Nos filmes, você acha importante que
os filmes mostrem o lado do mal, como você faz com o Zé do Caixão, que é a
personificação do Mal, que não tem moral nenhuma, mas com o final... você acha
importante o final ser... sempre retomando pro Bem?
Mojica: Eu acho! Eu acho
porque... é o que eu falei, eu influencio muito as crianças. Então eu tenho que
trazer essa mensagem, bater nisso. Então sempre, através tanto ‘das televisões’,
o que eu fazia, não digo hoje porque eu tenho essa obrigação no programa da
meia-noite, né, que vai no Canal Brasil; mas todos eles, sempre ‘termina’ com a
mensagem pra criança, positiva.
Eu: Você acha que é
importante dar essa mensagem positiva exatamente pela influência que você tem
nas pessoas?
Mojica: Eu acho, eu acho
que tem, porque senão... começa uma imitação... e criança, sabe como é que é,
começa a ir... e se elas ‘ver’ o castigo que ele sofre, eu sempre ponho
realmente bem absurdo a maneira de ele sofrer. Essa aqui, né (referindo-se a “A
Encarnação do Demônio”), o cara é esfaqueado, né, é muito forte...
Eu: É, só que um detalhe...
dá a entender que ele sobrevive, ele volta...
Mojica: Mas se você
ficar pensando, eu deixei um gancho. Que você sai, ele deitado, ele morrendo,
com a mulher lá; mas aí você já passa para elas indo na sepultura dele. Aí o
gancho é: será que é ele que tá lá? Será que naquele dia do Playcenter, a moça
não insistiu e não conseguiu levar ele para um médico, pra alguma coisa e ele
não sobreviveu? E de repente pode ser um indigente que tá lá, enterrado... Isso
aí a gente... já deixei o gancho... que há uma previsão de se fazer “Sete
Ventres para Um Demônio”, que é uma continuação...
Eu: Aí sai da trilogia para
uma quadrilogia!
Mojica: É, aí seria uma
quadrilogia, mas pelo sucesso que a fita fez, pela crítica... Foi a primeira
vez na minha vida que eu ganhei um prêmio da crítica. Sempre me desceram o pau!
Ninguém falou mal! Foram mais de duzentas e tantas reportagens de revista,
jornal, televisão... todo mundo falando bem! Nunca tive isso na vida... Sempre
de um lado e do outro e puxavam a corda. Essa não, ficou legal, ganhei vários
prêmios no exterior, devo ganhar na Argentina, tô concorrendo agora em março,
com o “Encarnação”. Devo sair com alguma coisa de lá. Se não for o primeiro
lugar... na Espanha eu ganhei, foi o primeiro, né, de fita de terror,
considerado o maior filme de terror o mundo! A Itália fez homenagem, Portugal,
a Grécia... eu acho que ela tá satisfazendo lá fora , muito! Falta chegar nos ‘americano’,
quando chegar nos ‘americano’ ... porque
eles realmente divulgam mesmo.
Eu: E agora vamos
voltar lá, no Canal Brasil, onde o Zé do Caixão agora apresenta um programa de
Talk Show.
Mojica: Então, não
apresento, mas... ontem foi última
entrevista, com o Zé Ramalho... fizemos só aqui no Rio 23 entrevistas, agora
vamos fazer só as ‘reportagem externa’, né. Eu já quero deixar tudo gravado,
até o fim do mês, já o ano todo, pra poder ficar à disposição, poder viajar com
o “Encarnação”, e poder atender uma série de pedidos... pensar na
continuação... se não for a continuação,
vai ser outra de terror. No momento eu tenho o “Devorador de Olhos”, eu
acho, personagem novo, mas a fita é muito violenta! Tem cenas do cara arrancar
o olho da mulher com saca-rolhas! Ele precisa do líquido dos olhos pra poder
sobreviver; ele pega uma doença no Amazonas, e quando dá aquela dor, ele tem
que sair atrás... e só serve olhos de mulher! Então é uma fita que vai ter muita
mulher.
Eu: E vai ter muita
maldade...
Mojica: Muita, muita
mesmo! Ele é um sádico mesmo!
Eu: Ah sim... além de
sobreviver, ainda gosta da mulher sofrendo...
Mojica: Gosta, gosta!
Dos ‘líquido’, e ele mantem um conservatório de cegos. Ele é muito rico, e
ninguém sabe que o cara dono do conservatório é o devorador de olhos.
Eu: Podemos esperar
um final que castigue esse vilão?
Mojica: Muito forte! O
final é muito forte! Basta dizer que a única coisa que ele respeita é
criança. E a dor dele vai começar
exatamente quando ele tá com uma menina de oito anos e ele precisa dos olhos,
não pode esperar. Aí vai ter um final eletrizante, muito grande. Entre gostar e
entre os olhos dele inchar e explodir.
Eu: Muito obrigado, Mojica.
Acho que tirei todas as dúvidas. Obrigado mesmo!